Você investiria no seu clube do coração?

Victor Bueno 10/07/2022 12:00 8 min
Você investiria no seu clube do coração?

Olá, investidores.

Aqui é o Victor Bueno, analista de ações na Nord Research.

Desde pequenos, somos ensinados a gostar de futebol e a escolhermos um clube que carregaremos em nossos corações pelo resto da vida. Você pode até não ser uma pessoa apaixonada por futebol ou que torce por um time desde a infância, mas com certeza conhece alguém muito próximo que seja.

É inegável o poder que o futebol tem de mexer com as emoções mais profundas dos torcedores e de unir até mesmo os rivais em eventos como o que veremos no final do ano no Catar. Como diria um tio meu: “dentre as coisas menos importantes da vida, o futebol é a mais importante delas”.

Gif com torcedores do Brasil.

Porém, não estou aqui para decretar qual é o melhor time de futebol do país (mesmo eu já sabendo a resposta) ou se o Brasil vai ser campeão da Copa do Mundo ou não.

Este é, sim, um papo sobre futebol, mas estou aqui principalmente para falar sobre investimentos.

Se você já é um investidor e torce para algum clube de futebol, já deve ter se perguntado o porquê de não termos nossos times na bolsa de valores para comprarmos suas ações ou até mesmo se seria realmente um bom investimento caso houvesse essa possibilidade.

Os mais apaixonados responderiam que investir em seus clubes do coração seria uma oportunidade irrecusável, mas creio que precisamos ir muito além da paixão antes de tomar uma decisão de investimento.

Então vem comigo, que juntos vamos entender mais sobre o que há por trás dos times de futebol!

Bom, primeiramente, devemos saber que analisar um clube de futebol é muito semelhante a avaliar uma empresa quando desejamos comprar as suas ações. Analisamos a sua história (quando foi criado e o que realizou de lá para cá), a sua situação financeira atual, os riscos e incertezas do negócio, quais são as suas perspectivas futuras, entre outras questões para entender se pode ser um bom investimento ou não.

É claro que, por não serem listados na bolsa de valores, até pouco tempo atrás não tínhamos um vasto histórico de informações financeiras dos times brasileiros para realizarmos uma análise de forma assertiva. No entanto, com um acompanhamento cada vez mais próximo de torcedores, patrocinadores e até credores, esse cenário foi mudando nos últimos anos e hoje os principais clubes do país possuem seus sites de “transparência” – que funcionam, basicamente, como os sites de relação com investidores para as empresas listadas.

Nesses portais, os times divulgam seus estatutos (conjunto de regras da organização), os orçamentos para o ano vigente, as atas das assembleias e os documentos mais importantes para a nossa análise: as demonstrações financeiras.

É por meio dessas demonstrações financeiras que temos acesso à informações relevantes, como o crescimento (ou não) do faturamento dos clubes, a origem de suas receitas, seus endividamentos e se no final das contas dão lucro ou prejuízo.

Para exemplificar esses principais pontos, peguei os cinco times mais relevantes do país em termos de torcida e resultados (se o seu time não está aqui, prometo que não é nada pessoal): Flamengo, Palmeiras, Atlético-MG, Corinthians e São Paulo.

Gráfico apresenta receitas totais dos principais clubes brasileiros.
Receitas totais dos principais clubes brasileiros. Fonte: Site de transparência dos clubes e Nord Research.

A começar pelas receitas, é possível ver que, assim como as empresas que temos em nossas carteiras de ações, a maioria dos clubes de futebol também sofreu grandes impactos ao longo da pandemia, com a paralisação dos campeonatos, e mesmo após a retomada dos jogos, com os estádios praticamente vazios por conta das restrições.

Porém, é possível ver que os times já estão apresentando receitas superiores inclusive em relação a 2019, com destaque para Palmeiras e Flamengo, que chegaram próximos à marca de 1 bilhão de reais de faturamento no ano passado.

Mas como essas receitas são divididas?

Bom, para destrinchar esse importante dado, vamos utilizar como exemplo os dois clubes que inspiraram o filme brasileiro “O casamento de Romeu e Julieta”, Corinthians e Palmeiras.

Breakdown de receitas do Corinthians em 2021. Fonte: Site de transparência do clube e Nord Research.

Em 2021, grande parte da receita do Corinthians veio de direitos de transmissão de TV (aberta e fechada) e de patrocínios e publicidade, resultando em um faturamento total de aproximadamente 450 milhões de reais no ano.

Breakdown de receitas do Palmeiras em 2021. Fonte: Site de transparência do clube e Nord Research.

Já o Palmeiras, reportou o dobro da receita de seu arquirrival, totalizando mais de 900 milhões de reais de faturamento em 2021. Além de ter recebido um valor semelhante em direito de transmissão e de patrocínios, a grande diferença na conta foram as premiações pelos campeonatos participados (venceu a Libertadores do ano passado) e pela venda de atletas.

Só para efeito de curiosidade, o Palmeiras recebeu 22,5 milhões de dólares (cerca de 120 milhões de reais) pela conquista da Libertadores, enquanto ao vencedor do Campeonato Brasileiro foi pago 33 milhões de reais, e da Copa do Brasil, 79,5 milhões de reais – ambos vencidos pelo Atlético-MG em 2021.

“Mas e o endividamento desses clubes, como está?” – essa é a pergunta que muitos torcedores se fazem e a resposta, em alguns casos, pode deixá-los de cabelos em pé.

Gráfico apresenta dívida total dos principais clubes brasileiros.
Dívida total dos principais clubes brasileiros. Fonte: Site de transparência dos clubes e Nord Research.

Com exceção de Palmeiras e Flamengo, que além de viverem grandes glórias nos campos de futebol nos últimos anos, também estão conseguindo melhorar suas gestões, os outros clubes ainda estão sofrendo com o aumento de sua dívida total (inclui empréstimos e financiamentos, salários e direitos de imagem, tributos parcelados etc.). O Corinthians já vê seu endividamento muito próximo de 1 bilhão de reais, enquanto o Atlético-MG já ultrapassou essa marca há dois anos – é importante ressaltar que esses valores não englobam as dívidas com os seus estádios.

Logo, mesmo com o aumento das receitas dos principais clubes nos últimos anos, o endividamento ainda é uma questão delicada dentro das salas dos dirigentes de futebol.

Já quando o assunto é lucro

Gráfico apresenta lucro dos principais clubes brasileiros.
Lucro dos principais clubes brasileiros. Fonte: Site de transparência dos clubes e Nord Research.

Mesmo que o cenário ainda seja delicado, já conseguimos ver uma recuperação dos resultados dos clubes, com quase todos com superávit em 2021 – com exceção ao São Paulo, mas que ao menos está apresentando menores déficits.

Tendo em vista os aspectos financeiros dos times de futebol, como você imagina que suas ações se comportariam? Bom, é difícil afirmar, ainda mais em um mercado como o nosso, porém existem clubes internacionais que possuem suas ações listadas na bolsa há anos e que podemos analisar suas oscilações.

Praticamente todos eles vêm da Europa e disputam as maiores ligas do mundo. Destaquei aqui quatro deles: Manchester United (Inglaterra), Juventus (Itália), Borussia Dortmund (Alemanha) e Ajax (Holanda). Já que estamos falando dos maiores clubes do mundo, será que as ações apresentaram uma boa performance nos últimos anos?

Gráfico apresenta cotação das ações de clubes europeus.
Cotação das ações de clubes europeus. Fonte: Bloomberg e Nord Research.

A resposta é não. Com exceção às ações do Ajax, todas as outras apresentaram um desempenho negativo nos últimos cinco anos. As ações da Juventus até chegaram a dar um salto em 2018, no que eu vou chamar de “efeito Cristiano Ronaldo”.

O craque português jogou no Real Madrid até a metade de 2018 e, logo após a sua saída, já começaram a ventilar notícias de um possível interesse da Juventus. Do início dos rumores de Cristiano Ronaldo no clube italiano até a concretização de sua contratação, as ações da Juve chegaram a subir +180 por cento em um período de poucos meses. O mesmo aconteceu recentemente, quando o mesmo jogador voltou ao Manchester United, fazendo com que as ações do clube subissem +44 por cento na época.

Porém, como vemos no gráfico, nem o vencedor de cinco bolas de ouro (prêmio anual dado aos melhores jogadores do mundo) foi capaz de impedir a queda das ações de seus clubes.

Gráfico apresenta cotação das ações da Juventus e do Manchester United.
Cotação das ações da Juventus e do Manchester United. Fonte: Bloomberg e Nord Research.

Quando vamos investir em ações, nosso foco deve ser sempre na busca de empresas lucrativas, pois no longo prazo as contações acompanham os lucros. Logo, se o lucro não aumenta ou até mesmo cai, mesmo que a ação suba em momentos esporádicos, ela tende a andar de lado ou a se desvalorizar ao longo dos anos, como vemos no gráfico abaixo das ações do Manchester United (vermelho) e seus lucros (branco):

Gráfico apresenta lucro e cotação das ações de MANU.
Lucro e cotação das ações de MANU. Fonte: Bloomberg.

Assim como aconteceu com as ações do Borussia Dortmund (amarelo):

Gráfico apresenta lucro e cotação das ações de BVB.
Lucro e cotação das ações de BVB. Fonte: Bloomberg.

Infelizmente (ou felizmente), ainda não temos clubes de futebol na bolsa brasileira.

Existe um processo de mudança estrutural no futebol brasileiro atualmente, com grandes times já se tornando SAFs (Sociedades Anônimas de Futebol) e optando por melhores práticas de governança, além de serem fiscalizados pela CVM. Contudo, ainda assim, vemos a maioria em situações financeiras bem delicadas e trazendo grandes preocupações para as suas torcidas e possíveis futuros investidores.

Ok. Para o torcedor, o que realmente importa são as vitórias e os títulos que seu clube pode conquistar. Contudo, para que as glórias sejam sustentáveis a longo prazo, é preciso que os times também sejam saudáveis financeiramente – os últimos títulos conquistados no país comprovam isso.

Com uma possível melhora nas finanças e trazendo mais segurança para o mercado em geral, quem sabe não poderemos ver os clubes brasileiros entrando na bolsa de valores em um futuro breve?

Se isso acontecesse, você investiria no seu clube do coração?

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