Um Presente Para Bolsonaro: “O Príncipe” De Maquiavel
Políticos não podem falar o que querem
“O estado sou eu” disse Luiz XVI — o monarca que, a partir da tese de origem divina do poder real, foi um dos maiores símbolos do Absolutismo.
“Só tenho a oferecer sangue, suor e lágrimas”, frase conhecida do famoso discurso de posse de Churchill, personagem que — apesar de por muito tempo desacreditado — mudaria os rumos da Segunda Guerra Mundial.
“Não existe essa coisa de dinheiro público; existe apenas o dinheiro dos pagadores de impostos”, fala da Dama de Ferro, responsável por transformar nossas concepções sobre a relação entre Estado e Economia depois da crise do Welfare State.
“Como você diz que é um comunista? Bem… é aquele que lê Marx e Lenin. Como você diz ser um anti-comunista? É aquele que entendeu Marx e Lenin” — provocação de Regan que expressa o espírito de disputa em um mundo polarizado entre os EUA e a URSS.
“Não é a moeda forte que faz o País: o País que faz a moeda forte” — frase clássica do Presidente Fernando Henrique Cardoso, durante o processo de implementação do Real.
Essas palavras acima traduzem o espírito de uma época. Inspiram por dizer a verdade, mesmo que uma verdade inconveniente. Vão além: inauguram novas formas de pensar que, antes das palavras explícitas do líder, estavam ofuscadas pelas velhas formas de fazer a Política.
Aristóteles justifica que o homem é um animal político exatamente por possuir a faculdade de pensar e discursar. Dessa forma, sem palavras não existe Política, pois é a palavra que domina o poder.
As ditaduras também dependem da palavra, tendo em vista que precisam construir narrativas que justifiquem sua autoridade. Mesmo que, repetidamente, acabem por produzir mentiras ao inverter sentidos e valores — como, por exemplo, dizer que “a opressão é a liberdade”
Aleksandr Soljenítsin, intelectual russo, chamou a União Soviética de “regime da mentira”. E, a partir da inspiração da experiência totalitária, George Orwell escreveu a obra 1984, história distópica onde o Governo é capaz de criar uma nova língua na qual o sentido das palavras correspondia estritamente aos interesses e conveniências do próprio governo.
A corrupção do sentido das palavras não se restringe à ficção:
"O povo deve ser educado com o mesmo cuidado e ternura com que um jardineiro cultiva uma árvore frutífera de estimação." — frase de Stalin, líder da União Soviética, que também é associado à conhecida frase que alguns universitários — que, ironicamente, mandam estudarmos História — adoram: “Stalin matou foi pouco”.
“Nós vamos propor uma reforma constitucional; uma transformação do sistema político para que tenhamos uma verdadeira democracia”, disse Hugo Chávez — que, depois de eleito, arrasou a democracia e a economia venezuelana.
“É só uma marolinha”, dizia Lula para tranquilizar o mercado interno em relação aos possíveis efeitos sentidos no Brasil diante a crise mundial de 2008.
Ao abandonarmos o rigor da palavra, corrompemos seu sentido. Porém, a falta de precisão também pode ser útil… pois dificilmente um político vai acusar diretamente o adversário de mentir.
“Você está sendo econômico com a verdade”, disse o político genérico que gostaria de xingar: “você é um mentiroso!!!”
Mas nem todos os políticos dominam essa arte: “você é um filho da p...”,no politiquês, já se transformou em “vossa excelência é um legítimo filho da p...” — ambas afirmações pouco efetivas e que podem configurar “quebra de decoro”.
Políticos não podem falar o que querem e, às vezes, até mentem por conta disso.
Maquiavel tirou dos políticos a responsabilidade de falar apenas a verdade — ou melhor, recomendou: “nem nunca a um princípe faltarão pretextos legítimos para mascarar a inobservância”. Isso porque existe uma razão prática no poder e se, para mantê-lo, é necessário mentir. Não esqueça que “os fins justificam os meios”.
Contudo, a recomendação de Maquiavel não sustenta a mentira pela mentira, mas sim inaugura um novo pressuposto político: existem razões de Estado e as circunstâncias podem mudar a qualquer momento.
Está certo que a flexibilidade da palavra na Política teve seu lado negativo: dizer que não ia aumentar os impostos e mesmo assim aumentá-los contribui para colocar a Política em descrédito. A mentira não necessariamente serve para dominar o poder.
Por outro lado: qual o sentido de falar ou fazer algo que irá ferir seu próprio poder? Essa talvez seja a pergunta que fazemos ao nos depararmos com as seguintes frases:
“Falar que passa fome no Brasil é mentira”
“Daqueles governadores de 'paraíba', o pior é o do Maranhão”
“O maior preservador do meio ambiente no mundo é o Brasil”
“Luiz Rocha Paiva é melancia — verde por fora e vermelho por dentro”
A pergunta que não quer calar: qual o objetivo do presidente Jair Bolsonaro ao insistir em corresponder às demandas de desgaste? Em uma disputa entre situação e oposição, qual o propósito de marcar gol contra?
Bolsonaro mudou para sempre a política do País, mas não podemos esquecer que ele ainda está subordinado às regras da Política.
E a regra é clara: um político fala com propósito. Ou seja, a atividade política tem objetivo de chegar a algum lugar, e o que ele fala pode deixá-lo mais próximo ou mais distante do objetivo.
Mentir continua imoral. Toda vez que mentimos ficamos em débito com a verdade que cobra mais tarde — “vocês assistiram à série Chernobyl?”
Porém a ineficiência também tem o poder de cobrar.
O desgaste da imagem de Bolsonaro, financiado pelas suas próprias palavras, inevitavelmente respinga na agenda governista. E até mesmo nas figuras que conseguem manter sua credibilidade como, por exemplo, Paulo Guedes.
Admito que existe, sim, ampla desconfiança de setores da mídia em relação ao Governo. E a desconfiança produz efeitos nos rumos da agenda do Executivo. As narrativas que são criadas sobre Bolsonaro correspondem a uma interpretação da verdade e não à verdade absoluta.
Ressalto que a politização da palavra pelo chamado “politicamente correto” tem cerceado a liberdade de expressão de maneira violenta. Essa semana o governador de Porto Rico renunciou ao cargo por conta da divulgação de conversas particulares. O conteúdo de destaque foram piadas sobre a homossexulidade de Rick Martin, também porto-riquenho.
Alguns apoiam a pressão política que levou à renúncia, porém preciso lembrar que o mesmo governador estava sendo acusado de corrupção. Não caiu, entretanto, não pelas suas ações, mas sim por conta da descoberta de uma conversa privada.
Bolsonaro, de certa forma, é um produto reativo a essa dinâmica de cerceamento do que falamos e pensamos. Não só Bolsonaro: existe um fenômeno mais abrangente na demanda por líderes que não têm “papas na língua” — vide Trump nos EUA e Boris Johnson no Reino Unido. O que difere nosso Presidente de ambos é que eles são bons oradores...
Precisamos reconhecer a responsabilidade do Presidente ao abrir mão da proteção que o discurso formal e institucional concede. “Quem fala o que quer, ouve o que não quer”, como diria o clichê ditado popular. Bolsonaro podia parar de financiar seu próprio desgaste.
Não se trata de se sentir pessoalmente ferido com o conteúdo proferido por um político. Estabilidade e segurança institucional de verdade é vivermos nossas vidas sem que a opinião do Presidente importe ou, tanto pior, impacte nossos bolsos.
Precisamos, porém, reconhecer: a imprudência de falar o que quer não combina com a típica prudência do pensamento conservador.
De certa forma as falas inconsequentes do Presidente, por outro lado, acabam protegendo-o. Estamos ficando tão acostumados com as gafes a ponto de, com o tempo, elas chocarem cada vez menos. Está se tornando mais cômico do que trágico o noticiário político.
Todavia, quando as palavras não possuem objetivo nenhum além de simplesmente serem ditas, acabam por produzir uma dinâmica de instabilidade ineficiente.
De novo Maquiavel: para lidar com a incerteza da fortuna, precisamos de virtu.
O lado positivo é que estamos passando por mudanças estruturais que são independentes da figura do Presidente. Quanto mais vantajoso for investir no setor privado em detrimento de “comprar títulos da dívida pública”, mais independentes nos tornaremos das instabilidades políticas.
O mercado é incerto, porém se regenera. O mercado é um amplo campo de possibilidades produzido pela livre concorrência e livre iniciativa. Temos sempre algum nível de escolha.
Já o Governo, como diria Reagan, não resolve os problemas, mas sim cria os problemas. O Governo limita e controla e, por isso, não temos a possibilidade da escolha. Acabamos subordinados à decisão de quem foi eleito. Quanto mais independentes estivermos da vontade dos políticos, melhor.
Alguns, contudo, preferem continuar buscando um líder que corresponda aos seus mais íntimos desejos e valores... desprenda-se disso, para seu próprio bem.
Essa semana o Governo divulgou um novo secretário de imprensa, o experiente Paulo Fona. Espero que o fonético reforço da equipe contribua para o aperfeiçoamento da comunicação oficial — é sempre bom lembrar que temos uma Reforma Tributária pela frente.
Mas não acredito em milagres: as gafes de Bolsonaro ainda vão dar muito o que falar.