Smart Fit: Um re-IPO atrofiado

O crescimento de +32 por cento de lojas desde 2016 é impressionante, mas Smart Fit não dá lucro desde 2016. Com a competição por preços com academias e apps de ginástica, ficamos de fora.

Danielle Lopes 04/08/2021 14:00 9 min Atualizado em: 04/08/2021 19:58
Smart Fit: Um re-IPO atrofiado

O crescimento de +32 por cento de lojas desde 2016 é impressionante, mas Smart Fit não dá lucro desde 2016. Com a competição por preços com academias e apps de ginástica, ficamos de fora.

No pain, no gain!” (Sem dor, sem ganhos!)

A rede de academias Smart Fit (SMFT3) dispensa explicações.

Contudo, o mais interessante da SMFT não são os seus preços baixos nem o seu o seu forte crescimento de academias nos últimos 5 anos, mas sim a sua história.

Tudo começou lá nos idos de 1990, com o mundo fortemente incentivado por exercícios físicos em academias de ginástica. Na época, o foco era “no pain, no gain!” (sem dor, sem ganhos!) e até a Madonna participou do movimento.

Madonna jovem na academia.
Fonte: OldSchooolCool.

Esse movimento que acontecia muito forte nos Estados Unidos aconteceu também no Brasil.

Com o surgimento de novas academias de bairro, Edgard Corona, fundador da rede Smart Fit, percebeu que bastava a cidade de São Paulo fazer 30ºC que as propagandas de academias apareciam e as matrículas cresciam cerca de +30 por cento em poucos dias.

Na época, Edgard trabalhava em uma usina de açúcar e álcool da família, mas o que ninguém poderia imaginar era que o projeto de infância do engenheiro químico era abrir uma academia.

Seria a hora de “criar massa” aos sonhos de Edgard Corona?

Crescimento anabolizado em alavancagem

Edgard, no auge dos seus 40 anos, resolveu pendurar as chuteiras após uma década na usina e abrir sua primeira rede de academias, a Rede Bio Ritmo.

O sonho de Edgard foi realizado, mas os problemas logo começaram.

Para aumentar a visibilidade da academia, em 1997, Edgard fez um empréstimo de 50 mil reais para investir em outdoors (só quem é cringe sabe o que é!).

Mesmo com as propagandas, as dívidas eram maiores do que a quantidade de alunos matriculados. Essa foi a primeira vez que a Rede Bio Ritmo quase faliu.

Durante 10 anos, Edgard se pendurou em dívidas para manter o negócio rodando, e em 2007 o sistema da academia passou por problemas de pagamento e quase faliu novamente.

A Rede Bio Ritmo perdia mercado para as academias com tickets menores, e Edgard decidiu abrir uma academia com os mesmos moldes da Planet Fitness, uma academia americana que trabalhava com o modelo “low cost high value” (baixo custo, alto valor) para competir com a sua própria rede, mas sem perder o mercado para as menores.

Em 2009, nasceu a 1ª Smart Fit do grupo.

Fachada da primeira Smart Fit.
1ª Smart Fit (Santo Amaro - SP). Fonte: FolhaBrasilNews.

Com academias de ticket baixo, o crescimento começou a aparecer.

Mas as dívidas do passado continuavam a assombrar a SMFT.

Com as academias de ticket baixo (Smart Fit) crescendo às custas da canibalização das academias de tickets maiores (Bio Ritmo), os custos da companhia não se pagavam.

O termogênico Pátria

Por uma imensa sorte, o modelo de academias de baixo custo chamou a atenção de uma das maiores gestoras do país, a Pátria Investimentos, que carrega em seu histórico grandes investimentos em companhias como Alliar, Qualicorp e Tenda.

Em 2010, o Pátria comprou 50 por cento do grupo Smart Fit por 520 milhões de reais. A injeção de capital do “termogênico Pátria” possibilitou a Edgard a quitação das dívidas e a continuidade da expansão do modelo de academias de baixo custo.

Em 2021, com as marcas Smart Fit, Bio Ritmo, além dos estúdios Race Bootcamp, Tonus Gym, Vydia Body & Mind e Jab House, Smart Fit está presente em mais de 12 países com 928 academias.

Presença geográfica Smart Fit.
Presença Geográfica. Fonte: Smart Fit.

Pela recente expansão na América Latina, a companhia possui cerca de 40 por cento de suas receitas fora do Brasil, e os demais 60 por cento de receita local, considerando lojas próprias e franquias.

Dois pesos, duas medidas

Edgard aprendeu a duras penas que o negócio em si não pararia em pé somente com as academias de ticket baixo, já que equipamentos de mais qualidade são caros, e os preços baixos da mensalidade não seriam suficientes para arcar com os custos fixos.

Por isso, o foco da Smart Fit está em volume. Com mais clientes recorrentes, maior a diluição de custos. E, para ter mais assinaturas, a companhia focou em um período agressivo de abertura de academias.

De 2016 a 2019, o crescimento médio de academias foi de +32 por cento.

Gráfico apresenta número de academias Smart Fit, de 2016 a 2020.
Academias abertas. Fonte: Smart Fit, elaborado por Nord Research.

O crescimento de receita foi em linha com o crescimento de academias, já que SMFT trazia novidades às regiões e atraía o público com a “novidade” em suas cidades, mas atraiu também a competição.

Mercado pulverizado e sem barreiras de entrada

O mercado fitness é altamente pulverizado e sem barreiras de entrada.

Com 509 academias no Brasil, Smart Fit possui cerca de 5 por cento do market share local e é considerada líder no segmento.

A pulverização é bem alta, e o custo de troca de academia é bem baixo para os clientes, já que existem flexibilizações de cancelamento.

Qualquer academia que tenha um alcance semelhante ao da SMFT poderá facilmente roubar a liderança.

É um mercado que mal começou a crescer. Se a Smart Fit não inovar ou buscar outras formas de crescer, pode ficar para trás.

Competição cada vez mais musculosa

O crescimento via expansão de lojas é a única forma que SMFT encontrou para crescer, e faz isso muito bem há mais de 10 anos.

Mas a competição de 10 anos atrás não é a mesma de hoje.

Smart Fit não compete mais somente com academias do mesmo perfil, como a sua maior concorrente Bluet Fit, mas com galpões de CrossFit, academias de bairro e novos aplicativos de home gym (academia em casa), que caíram no gosto popular durante a pandemia.

Os aplicativos que conectam professores de educação física com os alunos a distância e os aparelhos utilizados para o home gym podem sair bem mais baratos que uma assinatura mensal de academia, mesmo com tickets mais baixos.

A “bomba” do endividamento

A estrutura de academias SMFT tem, em média, 36 meses para obter o retorno a partir do investimento inicial.

É necessário cerca de 500 mil reais de investimento inicial, e em caso de franqueados, mais uma taxa de 100 mil reais de aquisição, além do pagamento mensal de royalties (direito de uso da marca) e investimentos obrigatórios em propaganda.

O maior risco para os franqueados é o alto investimento e as obrigações de pagamento com a SMFT sem o retorno estimado após 3 anos. Por isso, Smart Fit possui um percentual baixo de franqueados, já que é mais interessante abrir uma academia com outros padrões e competir diretamente com a empresa.

Os demais 80 por cento da rede são academias próprias, e a atenção fica para as formas de financiamento do crescimento. O passado endividado de Edgard perdura até hoje na cultura da companhia.

SMFT se alavancou – como já faz desde seu nascimento – para continuar crescendo. A companhia possui um endividamento de 32x dívida líquida/Ebitda, 5x dívida líquida/Ebitda isolando os efeitos da pandemia, o que ainda é bem alto.

O endividamento elevado nos últimos anos também prejudicou os resultados da companhia.

Resultados de (falsa) magra

No histórico de 2016 a 2019, antes da pandemia, vemos que o crescimento médio da receita foi de altíssimos +45 por cento.

Gráfico apresenta Receita Líquida Smart Fit – reais Milhões.
Receita Líquida - reais Milhões. Fonte: Smart Fit, elaborado por Nord Research.

Crescimento que faz bastante sentido, já que foi acompanhado de um ciclo forte de expansão de academias.

Com uma diluição maior de custos fixos, o Ebitda de 2016 a 2019 cresceu em média +43,72 por cento.

Gráfico apresenta Ebitda Smart Fit – reais Milhões.
Ebitda - reais Milhões. Fonte: Smart Fit, elaborado por Nord Research.

Nos últimos doze meses, a companhia foi fortemente impactada pelas academias fechadas durante a pandemia. Apesar de a companhia buscar inovações com o aplicativo “Queima Diária”, os resultados não compensaram as mensalidades das academias físicas.

Com as academias fechadas, as receitas recorrentes caíram apenas -36 por cento, mas com a menor diluição dos custos fixos, vemos o Ebitda caindo -90 por cento.

Com um grande histórico de endividamento, a companhia possui despesas financeiras bem altas, gerando um grande histórico de prejuízo.

Gráfico apresenta Lucro líquido Smart Fit – reais Milhões.
Lucro líquido - reais Milhões. Fonte: Smart Fit, elaborado por Nord Research.

Nos últimos 5 anos, a companhia ficou com “lucro positivo” somente em 2018, que na verdade é um evento não recorrente de 237 milhões pela reavaliação dos seus investimentos feitos nas unidades do México e Colômbia.

Isolando esse efeito, vemos que nos últimos 6 anos a Smart Fit não deu lucro.

O re-IPO de SMFT3

Depois de uma forte janela de IPOs em 2017, a companhia se preparou para o IPO em 2018, que foi cancelado por desinteresse dos investidores.

Para tentar atrair a atenção do mercado, a empresa se colocou na “vitrine”, listando suas ações na Bovespa Mais, um meio caminho para chegar à B3.

Em 2021, com uma segunda oportunidade de forte janela de IPOs, a empresa foi buscar seu momento de glória. O timing parecia bom, já que o ritmo de crescimento de academias antes da pandemia estava bem forte.

Com grandes promessas, o IPO (13-07-2021) de SMFT foi precificado no meio da faixa e acumulou enormes +34 por cento na abertura. SMFT captou 2,3 bilhões de reais para continuar sua expansão em massa de academias.

Mas, logo após a demanda explosiva em sua estreia, a Smart Fit ficou “atrofiada” na Bolsa.

Gráfico apresenta desempenho de Smart Fit.
Smart Fit. Fonte: Bloomberg, elaborado por Nord Research.

Além do histórico de prejuízo e endividamento, o mercado vem deixando as ações de lado por perceber que a competição está apenas começando.

Nesta semana, sua concorrente Blue Fit registrou o processo de IPO junto à CVM.

Busque um “patrimônio musculoso”

Negociando a 32x Ebitda histórico (sem os efeitos da pandemia), SMFT não consegue gerar novas formas de crescer sem trazer uma competição irracional de preços e abrir novas academias a qualquer custo.

Com o histórico de prejuízo, endividamento alto e grande competição, vemos que SMFT não tem crescimento suficiente para deixar seu patrimônio musculoso. Nem o patrimônio da companhia nem o dos investidores.

Para qualquer empresa, o que importa são sempre os resultados.

No longo prazo, boas empresas com bons resultados terão suas ações acompanhando seus lucros.

No Nord Ações, compramos ações com preços (múltiplos) menores, com crescimento e visibilidade de resultados. É bem mais interessante do que comprar Smart Fit.

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