Revolução Silenciosa

Reformulação de normas criou alicerces para modelo fiduciário, que garante recomendações voltadas unicamente a atender aos objetivos de cada cliente

Nord Wealth 10/01/2022 16:00 3 min Atualizado em: 31/01/2022 15:26
Revolução Silenciosa

Em 2015, durante minha preparação para a obtenção da certificação CFP, deparei-me com o primeiro princípio do Código de Conduta Ética e Responsabilidade Profissional da Planejar: Cliente em Primeiro Lugar. Ainda que um tanto quanto óbvio, parecia-me bastante utópico para a realidade daquele momento. Naquela altura da minha experiência profissional, após passagens por gestoras e corretoras, já tinha percebido que para muita gente aplicar tal princípio significava, em muitos casos, prejudicar a própria viabilidade dos negócios.

O pior de tudo é que, deste ponto de vista, o questionamento não era exatamente em vão. Como conciliar as melhores recomendações aos clientes com fundos de gestores que sabidamente não pagavam rebates? Ou como recomendar um título do Tesouro Direto que pagava um comissionamento ínfimo em comparação a um título de crédito privado com as mesmas características?

Com as normas vigentes à época, apenas clientes UHNW (ultra ricos) e com acesso a fundos exclusivos podiam desfrutar de recomendações isentas. Contudo, a história começou a mudar em 2017, com a reformulação das normas que regem as atividades de consultoria de valores mobiliários, criando os alicerces para que um modelo fiduciário de atendimento ao cliente fosse desenvolvido no mercado brasileiro, em contraponto ao tradicional modelo transacional.

A partir das mudanças, podemos afirmar que uma revolução silenciosa tem ocorrido. No modelo fiduciário, o cliente passa a ser a única fonte de renda do consultor, já que este não pode receber qualquer remuneração ou benefícios de corretoras, bancos ou gestores. Na prática, isto garante que as recomendações tenham única e exclusivamente o objetivo de atender aos objetivos financeiros individuais de cada cliente.

Assim, o investidor passa a ter o consultor do mesmo lado da mesa para negociar com o mercado de distribuição de produtos. Com o alinhamento de interesses entre as duas partes, novos modelos de negócios foram criados, colocando de fato o cliente em primeiro lugar.

As principais corretoras do país passaram a permitir que consultores registrados na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) utilizassem suas plataformas para atender os clientes, inclusive possibilitando a devolução de valores que antes seriam destinados a remunerar os intermediários do sistema de distribuição.

As próprias corretoras também têm lançado diversos produtos direcionados a este segmento, como ETFs e fundos passivos, buscando melhorar a estrutura de custos especialmente para o pequeno investidor. Neste arranjo, a filosofia de alocação de investimentos do consultor tende, então, a ser o fator mais importante em um serviço de aconselhamento financeiro.

O maior beneficiado dessa revolução é o investidor, principalmente por contar com o respaldo legal de que o consultor contratado agirá em prol dos seus interesses. Sob a ótica de custos, o modelo fiduciário também dá maior transparência aos valores pagos pelos serviços, ao expor os custos implícitos para distribuição de determinados produtos. Além disso, as trocas frequentes de posições acabam sendo desincentivadas, por aumentarem os custos para o cliente.

O cliente não recebe indicações de produtos, ofertas primárias ou operações considerando apenas as expectativas de rentabilidade. Até pela exigência legal de assumir a responsabilidade pelo suitability, o consultor é obrigado a recomendar operações e produtos que sejam realmente aderentes aos objetivos individuais de cada um.

Uma relação mais transparente e justa entre cliente, consultor e distribuidores cria um círculo virtuoso no mercado financeiro brasileiro. O cliente passa a entender a diferença de ter um profissional que está alinhado aos seus interesses financeiros individuais. O consultor tem todo o incentivo para buscar mais capacitação e desenvolvimento para atender cada vez melhor aos investidores. Por sua vez, os distribuidores buscam melhorar cada vez mais a oferta de produtos e serviços em condições que sejam adequados ao que os clientes e consultores esperam. A revolução está apenas começando.


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