O Inverno que derrotou Napoleão
A semana começou tensa na Europa. A Rússia anunciou na segunda-feira, 5, que só vai retomar o fluxo de fornecimento de gás para a Europa quando o “coletivo do Ocidente” suspender as sanções impostas ao país por conta da invasão da Ucrânia.
A crise de energia não é um problema só europeu. A alta nos preços do gás e do petróleo já está machucando a economia global, há um tempo, e uma escassez das matrizes energéticas deve fazer a atividade sangrar mais.
Em agosto, o PMI (sigla em inglês para Índice de Gerentes de Compras) composto da zona do euro, que engloba os setores industrial e de serviços, caiu para o menor nível em 18 meses, de 49,9 para 48,9 pontos, segundo pesquisa final pela S&P Global.
Winter Is Coming
“Nossa história nos diz que quando Aegon olhou através das Águas Escuras viu uma terra rica, pronta para a captura. Mas não foi apenas sua ambição que o levou a esta conquista. Foi um sonho. Assim como Daenys Targaryen previu o fim de Valyria, Aegon previu o fim do mundo dos homens. Isso começou com um terrível inverno recaindo sobre o distante Norte. Aegon se deparou com uma escuridão absoluta ao cavalgar por esses ventos. E tudo que habita dentro dela destruirá o mundo dos vivos… Aegon chamou este sonho de ‘A Canção de Gelo e Fogo.’” — Viserys Targaryen, personagem da série As Crônicas de Gelo e Fogo do escritor George R. R. Martin
Sim, o inverno está chegando.
Intensificação da crise energética na Europa
Um pouco antes da guerra na Ucrânia começar, escrevi um artigo comentando os possíveis efeitos econômicos que um conflito poderia trazer para o mundo (acesse aqui).
Passados pouco mais de seis meses, acho que é importante revisitarmos alguns dos temas que foram abordados, trazendo algumas atualizações para vocês.
Após as ofensivas russas sobre a Ucrânia, países do Ocidente implementaram diversas sanções econômicas na tentativa de engessar as alternativas que a Rússia pudesse ter para lidar com sua economia.
Vimos empresas parando de consumir produtos russos, outras encerrando operações no país e uma restrição massiva do país ao sistema bancário mundial.
Mas o presidente russo respondeu. A resposta não foi bélica, muito menos política. Foi apenas um aperto econômico em um setor negligenciado por líderes europeus nos últimos anos: energia.
Em uma tentativa, falha por ora, de mudança na matriz energética, a Europa se viu pega em uma situação de forte dependência de importações de petróleo, gás natural e carvão da Rússia nessa retomada econômica pós-pandemia.
Isso abriu uma possibilidade para a Rússia pressionar a Europa de forma direta: restrição de exportações de gás natural para a Europa, resultando em um forte aumento de preços.
No gráfico abaixo, podemos observar a valorização do gás natural (em azul negociado na bolsa de Amsterdã) e a valorização do petróleo (em verde o petróleo Brent):
O efeito desse aumento de preços da energia tem sido um impacto relevante nos custos de empresas e no bolso da população europeia.
A Uniper, empresa de energia alemã, registrou um prejuízo recorde de € 12 bilhões, o que exigiu que o governo alemão viesse a seu resgate. E ainda devemos ter mais casos como esse.
Vale mencionar que energia é um bem bastante inelástico. Nossa vida e economia dependem de energia e é um desafio grande alterar padrões de consumo.
Como isso afeta a zona do euro
No primeiro gráfico abaixo, podemos observar que mesmo diante do aumento de preço do gás natural, as importações da Europa não tiveram uma queda muito relevante. O que explica, em parte, o aumento de custos e a dificuldade da manutenção da atividade econômica no velho continente.
Já o segundo gráfico, nos dá uma boa ideia do aperto que a Rússia tem feito, ficando evidente a redução do volume de gás natural exportado para a Europa. Essa queda será ainda mais acentuada, agora que a Rússia cortou indefinidamente o fornecimento de gás pelo gasoduto Nord Stream.
Infelizmente, para os europeus, o aumento nos custos de energia, a redução da balança comercial, queda na confiança do consumidor, queda na atividade econômica e aumento da dívida/PIB não são os únicos efeitos que eles estão sentindo na pele.
O europeu está cada vez mais pobre. Não existe uma forma mais gritante de medir isso do que no câmbio.
Na imagem abaixo, vemos que apenas em 2022, o Euro já se desvalorizou -12% frente ao dólar (para efeito de comparação, nossa moeda valorizou +9%) e -20% nos últimos 10 anos:
O Inverno que derrotou Napoleão
Estamos nos aproximando do inverno no Hemisfério Norte, consequentemente, a época do ano em que é necessário aumentar o consumo de energia na Europa para o aquecimento de casas e para a manutenção da atividade econômica (altamente dependente de gás natural).
Durante o inverno, a dinâmica de estoques de gás tende a cair diante de uma dificuldade de acumular por conta do consumo. Com isso, novamente, a Europa se coloca na mão de Vladimir Putin.
Se as temperaturas do inverno forem rigorosas — já vimos um verão atípico e com fortes ondas de calor —, os iluminados governos europeus (que tentaram na canetada mudar a matriz energética) terão de tomar medidas para conter a indústria para que haja energia para sustentar o aquecimento da população — que pepino, senhoras e senhores.
Alternativas em avaliação
Para evitar o caos total, a Europa deve, até o mês de outubro deste ano, ter pelo menos 90% dos seus estoques abastecidos.
Nesse caso, com um possível corte da Rússia nas exportações de gás, ainda haveria uma certa “segurança” que poderia amortecer uma crise ainda maior.
Inevitavelmente, devemos ter uma queda relevante na atividade econômica e no PIB europeu.
Por mais que seja difícil admitir, a Rússia segue vencendo a guerra. Hoje não há um “Targaryen” que possa liderar a Europa na luta contra a escuridão do inverno.
Espero que você tenha gostado do texto.
Forte abraço,