Binance e Coinbase na mira da SEC. Será o fim das criptomoedas?

Mercado de criptomoedas encolheu US$ 42 bi após processo da SEC contra a Binance. Entenda o impacto e o que esperar para o futuro

Luiz Pedro Andrade de Oliveira 10/06/2023 11:00 7 min Atualizado em: 12/06/2023 20:09
Binance e Coinbase na mira da SEC. Será o fim das criptomoedas?

A SEC, órgão regulador de valores mobiliários dos EUA, iniciou (quase que oficialmente) uma cruzada contra o mercado de criptoativos nesta semana (que, na verdade, já vem de alguns meses).

Para você entender, vamos aos fatos e interpretações possíveis disso, voltando um pouquinho no tempo.

Em 2021, tivemos um banimento total do Bitcoin na China, algo que também já vinha se desenhando desde 2018. Isso é importante de se ter em mente, pois, na ocasião, cerca de 65% do poder computacional empregado para a mineração de bitcoin estava sitiado em território chinês.

O movimento ficou conhecido como “o grande êxodo do bitcoin”, quando as empresas de mineração migraram com suas milhares de máquinas para países com regulamentação favorável à atividade. Os principais destinos foram os Estados Unidos e o Cazaquistão.

Distribuição da mineração de Bitcoin por países
Distribuição da mineração por países. Fonte: Cambridge Bitcoin Electricity Consumption Index

Hoje, os EUA são o principal polo de mineração do mundo, com destaque para o Texas e Nova York, que se apressaram em trazer benefícios fiscais e regulatórios para essas empresas se mudarem para seus estados.

Pois bem, tudo se desenhava para que os EUA se tornassem o grande centro tecnológico de desenvolvimento de criptoativos e de blockchains.

No entanto, o entrave para isso se concretizar como verdade era a regulamentação, que não avançou em nada desde então. Os EUA claramente tiveram outras prioridades ao longo desse tempo, com uma situação inflacionária e os riscos associados ao aumento de juros.

Contudo, em novembro de 2022, tivemos um fato que catalisou a necessidade por uma atenção maior da SEC para o mercado de criptos: a quebra da FTX, que levou ao prejuízo de milhares de americanos com a perda de seus criptoativos que estavam sob custódia da corretora!

A quebra da FTX veio por uma mistura de problemas, pelo fato de a corretora utilizar os saldos dos clientes para operações arriscadas e manobras financeiras por meio de seu braço de Venture Capital (fundo de capital de risco). Esse ocorrido chamou a atenção da SEC de volta para o mercado cripto, e essa atenção não vem sendo positiva.

O começo da cruzada da SEC contra criptos

O primeiro ato da SEC contra o mercado de criptoativos começou com a proibição das corretoras em oferecer staking. Trata-se de um mecanismo em que o usuário empresta unidades de cripto e recebe uma remuneração por auxiliar com a validação de transações na blockchain. Em geral, é um processo complexo, mas as corretoras o tornavam extremamente acessível.

Esse foi o primeiro ato, que atacou todas as grandes corretoras do mercado americano, inclusive a Coinbase, empresa listada em bolsa que já oferecia staking antes do IPO.

Posteriormente, Joe Biden citou a intenção de impor um regime fiscal mais restrito aos mineradores sitiados nos EUA. Mais uma “red flag” para a visão dos EUA contra o mercado de cripto.

Ainda no começo de 2023, os EUA atacaram por outro ângulo. Em meio à quebra dos bancos nos EUA, o Silicon Valley Bank foi proibido de operar, assim como outros bancos voltados para o mercado de tecnologia.

Esses bancos, ainda que indiretamente, tinham um papel fundamental no mercado de criptoativos local, sendo responsáveis por grande parte das linhas de crédito fornecidas às empresas do setor. Vale ressaltar que alguns bancos foram proibidos de continuar fornecendo empréstimos a startups e empresas de desenvolvimento de blockchain e criptoativos.

Os EUA vinham, por diversos ângulos, “enforcando” o mercado de criptoativos. Porém, nessa semana, o ataque foi mais direto.

A SEC enviou duas cartas de processos contra a Binance e, novamente, a Coinbase, atacando, assim, a unidade local da maior corretora do mundo e a única empresa do setor listada em bolsa, respectivamente.

O processo contra a Binance.US foi mais incisivo, visto que a corretora operou ilegalmente nos EUA por anos a fio. E a SEC não se limitou à empresa, mas também ao CEO global da Binance, Changpeng Zhao, o “CZ”.

Changpeng Zhao
Changpeng Zhao, o CZ, CEO da Binance. Foto: Divulgação

Dentre diversos pontos, temos facilitação de lavagem de dinheiro, negociação de valores mobiliários de forma não registrada, oferta de staking, facilitação de evasão de divisas, além de operação não registrada de forma legal e, o mais preocupante, a falta de segregação patrimonial, o que relembra o que ocorreu com a FTX no ano passado.

A solicitação é o congelamento de saldos e saques na corretora, além de um processo que pode incorrer em multas e sanções operacionais. No primeiro momento, o fato gerou uma onda de saques intensa na Binance.US, com um volume de mais de US$ 875 milhões sendo sacados da corretora.

Volume de saques de Bitcoin na Binance.US
Volume de saques de Bitcoin na Binance.US. Fonte: Glassnode via Blocktrends

Contra a Coinbase, o processo foi menos agressivo, porém, ainda assim, extremamente incisivo, acusando-a de negociar valores mobiliários e dando um prazo de 28 dias para a empresa explicar por que as operações citadas não devem ser forçadamente cessadas.

A Coinbase comprou a briga, não só do mercado, mas também da empresa em si contra o órgão regulador americano, alegando falta de competência, negligência em fornecer explicações mais claras e solicitando a tomada de providências por parte do Congresso Americano.

O ponto em comum de ambos os processos foi a categorização de alguns ativos bem conhecidos no mercado, como valores mobiliários por parte da SEC. Solana, Polygon, Binance Coin (BNB) e Cardano são os nomes mais conhecidos.

Isso foi feito sem notificação prévia ao mercado e gerou revolta tanto por parte dos processados quanto por parte do mercado como um todo.

Por que os EUA estão fazendo isso e quais as consequências?

Existem duas interpretações possíveis: culpa/receio frente ao ocorrido com a FTX e/ou receio com a perda da hegemonia do dólar.

A narrativa do Bitcoin e dos criptoativos como alternativa ao sistema financeiro tradicional ganhou muita força diante do cenário de crise bancária e risco de default nos EUA, ainda mais com a lei aprovada com a extinção do teto de dívidas nos EUA para mitigar tal problema.

Mesmo assim, acho pouco provável que essa seja a real preocupação dos Estados Unidos. O mercado cripto ainda é muito pequeno para ser percebido dessa forma.

O receio pós FTX é, muito provavelmente, o principal motivador para o cerco regulatório mais apertado. Os EUA, aparentemente, não querem estar envolvidos na evolução do mercado de criptoativos. Pelo menos não no presente momento e na presente gestão.

A regulamentação não avançou e o que se teve de ações por parte desses órgãos foi proibitivo, trazendo um retrocesso.

Enquanto isso, vemos a União Europeia e os países do sudeste asiático avançando com marcos regulatórios favoráveis para o mercado se desenvolver. Não deixando de citar o Brasil, que avançou com a regulamentação a passos largos em 2022 e tende a seguir o processo em 2023.

O mercado não morre com a proibição dos EUA. Claro, é inegável que dificulta-se o acesso para o país que tem maior liquidez no mercado. Hoje, cerca de 6% do volume total de cripto é gerado nos EUA, e grande parte das empresas do mercado está sediada nos EUA, incluindo o setor de mineração de Bitcoin.

Caso os órgãos reguladores dos Estados Unidos sigam nessa linha, isso forçará o mercado a dar alguns passos atrás.

Podemos ver um novo êxodo do mercado buscando regulações mais favoráveis.

No entanto, isso também é ruim para os Estados Unidos. Além da perda de receita e atração de capital por parte dessas empresas, há uma grande perda de capital intelectual, que já vem sendo vista nos EUA, com um grande número de programadores saindo do país ou prestando serviços para empresas de outros países.

Conclusão

O movimento de ataque ao mercado de criptoativos é contínuo por parte dos EUA. Cabe a nós acompanharmos os desdobramentos desses processos e nos adequarmos, como investidores, aos cenários prováveis e possíveis.

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