Minha filha de 4 anos dirigindo o Brasil

A curva de juros brasileira está operando como se a minha filha estivesse dirigindo o país; entenda

Marilia Fontes 06/10/2022 15:49 5 min
Minha filha de 4 anos dirigindo o Brasil

Na semana passada, fomos para uma casa de campo descansar um pouco. Ela fica em um condomínio tranquilo, com ruas asfaltadas e casas distantes umas das outras.

Dentre as coisas que gostamos de fazer lá, minha filha sempre pede para eu deixar ela “dirigir”.

Ela tem 4 anos e não chega nem perto de alcançar o acelerador, mas eu a coloco no meu colo um pouquinho e dou a famosa volta no quarteirão enquanto ela vai mexendo o volante animadíssima.

É engraçado ver uma pessoa dirigir pela primeira vez. Para mim é tudo tão automático. O volante é quase uma extensão de mim, mas para ela não é tão simples assim.

As curvas são muito difíceis. “Você já parou para pensar em como fazer uma curva?”.

Primeiro, você vem de uma estabilidade reta no volante.

Depois, você vira o volante mais do que o ângulo da curva.

Por fim, depois que o carro fez a curva, você tem que voltar o volante para a posição original.

A Luísa consegue deixar o volante reto e virar na curva. Mas ela tem muita dificuldade de voltar o volante para a posição original.

Um dia ela chega lá. Ainda temos tempo

Curva de juros no Brasil


E se eu te disser que a curva de juros brasileira está com o mesmo problema de Luísa?

Se eu te disser, ainda, que parece que a Luísa é quem está conduzindo a política monetária brasileira? Aí você vai ficar preocupado, não vai?

O Banco Central (BC) tenta controlar a inflação com a taxa de juros da mesma forma que um motorista tenta fazer a curva com a direção do carro.

Primeiro, o Banco Central está estável no juro neutro. O juro neutro é aquele que nem acelera nem desacelera a inflação. É como se a direção estivesse estável em uma reta.  

No entanto, quando a inflação sobe, o Banco Central tem que jogar a taxa de juros, a Selic, acima do neutro.

A Selic acima do neutro faz uma pressão baixista na demanda agregada. Com isso, menos pessoas consomem, pegam empréstimos, investem em crescimento do negócio, empreendem.

Quando a economia desaquece, a inflação entra em trajetória cadente. Assim que a inflação chega na meta, o Banco Central tem que começar a reduzir a Selic, retornando-a para o juro neutro de novo.

Ou seja, feita a curva no volante em um ângulo maior que a estrada, você tem que retornar o volante para o centro, para que o carro volte a andar em linha reta.

Mas olha que engraçado o que está acontecendo no Brasil.

Expectativas de mercado


O Banco Central jogou a Selic em +13,75%, acima do neutro. A inflação parece estar caindo, mas ainda está acima da meta.

O mercado está prevendo inflação acima da meta para todos os anos seguintes.

O mercado tem cerca de +5,5% de projeção de inflação para cada ano futuro, enquanto a meta é de +3,25% para 2023 e +3% para os anos seguintes.

Ou seja, o mercado está estimando que o BC ainda não conseguiu controlar a inflação.

Ao mesmo tempo, o mercado também está precificando que a Selic vai cair no ano que vem. A taxa Selic do final do ano de 2023 está em +10,90%.

Percebe a estranheza?

Como o Banco Central poderá reduzir a Selic de volta para o neutro se a inflação ainda não estiver controlada?

É como se a Luísa tentasse voltar o volante para o centro sem ter feito a curva completa; em vez de fazer a curva direitinho, ela vai acabar batendo no muro de alguma casa.

Se você ainda não terminou de fazer a curva, não pode voltar o volante, correto?

Mas temos essa maluquice no mercado atualmente.

O que esperar?


A inflação implícita (precificada pelo mercado) está bem alta, mas mesmo assim as taxas de juros estão precificando cortes.

Ou seja, ou o mercado acerta na inflação, mas o BC não poderá fazer o corte de juros precificado e as taxas dos prefixados terão que subir, ou a inflação implícita está muito alta e as taxas de juros reais terão que subir.

Cuidado ao investir em renda fixa


Seja qual for a forma de correção, ela não nos gera uma assimetria boa para os prefixados ou indexados à inflação.

Afinal, se a inflação de fato for mais baixa, e a inflação implícita cair, as taxas dos prefixados não vão cair muito mais, pois todos os cortes de juros já estão precificados. E os títulos IPCA+ podem até sofrer marcação a mercado negativa.

Ou, então, o mercado acerta na projeção da inflação, mas então o BC não poderá efetuar o ciclo de cortes e as taxas dos prefixados terão que ser reprecificadas para cima, causando prejuízos para os detentores desse título.

É uma operação que se você acertar tem pouco para ganhar, mas se errar tem bastante para perder. É por isso que não gosto muito desse investimento.

Oportunidades na bolsa


Prefiro outros investimentos com assimetria mais favorável como a bolsa brasileira, por exemplo, que está em um patamar de valor historicamente baixo.

Se as taxas de juros de fato caírem, as ações da bolsa devem se recuperar bastante, retornando para níveis históricos.

Percebe a assimetria positiva?

Então, se você quer correr um pouco mais de risco nos seus investimentos, recomendo que você não use o risco nos prefixados, mas sim investindo em bolsa.

A assimetria é melhor e mais convidativa.

A curva de juros brasileira está operando como se a Luísa estivesse dirigindo o Brasil. E, por mais que eu ache que ela tem potencial, certamente não é a hora.

Bons investimentos!

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