E se Mercado Livre não decolar? Vale a pena o risco?

A companhia teve um salto do lucro de +80% no 2º tri. Seria o melhor momento de comprar enquanto as ações estão em queda?

Giulia Nicola 04/09/2022 12:00 7 min
E se Mercado Livre não decolar? Vale a pena o risco?

Como vocês devem saber, a maré de inflação e juros altos atingiu em cheio as varejistas da bolsa, em especial as companhias voltadas ao comércio de produtos não essenciais.

É o caso do Mercado Livre (MELI34), cujas ações já desvalorizaram -55% desde março de 2021, quando o Banco Central passou a subir juros no Brasil.

Gráfico apresenta oscilação de MELI34 e Taxa Selic.
Oscilação de MELI34 e Taxa Selic. Fonte: Bloomberg

Contudo, em agosto, as empresas mais ligadas a bens de consumo voltaram a se destacar na bolsa, tendo em vista o fim do ciclo de alta de juros e a desaceleração da nossa atividade.

Os papéis do Mercado Livre encerram agosto em alta de +6,16% e, no acumulado dos últimos 12 meses, queda de -39,37%.

Afinal, vale a pena comprar as ações do MELI34 agora enquanto elas se desvalorizam?

Quem é o MELI?

Modelo de negócio.
Modelo de negócio. Fonte: Mercado Livre/Divulgação

Fundado em 1999, por meio de um plano de negócios da Harvard School of Business, o Mercado Libre (como é chamado em sua sede na Argentina) foi criado com o objetivo de contribuir para a expansão do e-commerce na América Latina, com soluções tecnológicas e comerciais atraentes, de acordo com a cultura e diversidade de cada local.

Hoje, MELI é o maior ecossistema de comércio e pagamentos online da América Latina, estando presente em mais de 18 países, como Argentina, Brasil e México, conectando uma rede de mais de 140 milhões de usuários e 1 milhão de vendedores. A companhia fornece um conjunto de soluções tecnológicas, com o objetivo de incentivar e facilitar transações comerciais tanto digitalmente quanto offline em sua plataforma.

Para obter um mercado completo, a companhia fundou o Mercado Pago, seu braço de pagamentos e empréstimos, deixando a plataforma aos poucos mais completa para seus usuários.

Mas com o ideal de continuar crescendo, tornando-se cada vez mais completo, viram a necessidade de captar recursos.

Aproveitando a forte expansão da internet na América Latina (que eles acreditam até hoje que continuará evoluindo) e aumentando cada vez mais o número de potenciais clientes  — comerciantes e compradores  — da sua plataforma, realizaram o seu IPO na Nasdaq em 2007 (bolsa americana de tecnologia).

O principal objetivo com essa captação era focar no seu crescimento, seja por meio de aquisições, seja através da criação de novos serviços, aumentando o seu ecossistema e ganhando escala nos seus países de atuação.

Como o dinheiro nos dá liberdade, após o IPO, o Mercado se tornou mais Livre e expandiu para novas áreas. Fundaram o Mercado Crédito (oferta de financiamento para seus clientes), Mercado Envios (soluções de remessas), Mercado Shops (Software as a Service) e Mercado Ads (promove publicidade para marcas).

Dessa forma, a companhia gera receita por meio de taxas sobre o valor final negociado, royalties de publicidade, processamento de pagamentos, taxas de assinatura e receita com os juros dos empréstimos a empresas e clientes finais.

“Juntos. De mãos dadas, ou não”

Com esse slogan, a companhia lançou ao mercado, em 1999, a ideia de estar próximo, apesar de não estar no mesmo lugar físico. Sendo bem atual, em um cenário de pandemia, o e-commerce veio como uma mão na roda.

Porém, poucos anos atrás, o lucro da companhia e suas margens sofreram uma forte queda, recuperando-se apenas com o surgimento de lockdowns que incentivaram o comércio online.

Mas então o que aconteceu nesse período?

Gráfico apresenta variação do lucro líquido e da margem líquida desde 2014.
Variação do lucro líquido e da margem líquida desde 2014. Fonte: Mercado Livre e Nord Research

Um dos maiores riscos da companhia é justamente a sua maior oportunidade: expansão na América Latina.

Trata-se de um mercado que ainda utiliza pouco o comércio online em comparação com outros países ao redor do mundo, mas que vive um período de alta instabilidade política e econômica, podendo ser uma bomba relógio a depender do país.

Essa bomba explodiu em 2017. Com diversas mudanças no governo da Venezuela, com controles cambiais e restrições operacionais que afetaram diretamente a capacidade de gestão da companhia, MELI resolveu “desconsolidar” as suas subsidiárias no país – gerando um prejuízo de US$ 85,8 milhões para a companhia.

Essa perda permaneceu por 2018, junto aos maiores custos relacionados às mercadorias vendidas (COGS) e, em 2019, a companhia teve a maior queda do lucro e das margens em relação aos últimos anos devido à continuação do aumento dos custos.

Crescer de forma eficiente é um desafio que MELI teve que encarar.

Alavancas de crescimento


Após a descontinuação das subsidiárias venezuelanas nos seus resultados, a companhia precisou controlar melhor os seus gastos com marketing e envios de mercadorias — e o fez de forma excelente.

Aproveitando o vento a favor, em 2020, a companhia conseguiu dar a volta por cima, utilizando o momento global de distanciamento social para suprir essa nova demanda pelo comércio online, aumentando o número de usuários ativos, que saiu de 43 milhões no 1T20 (início da pandemia), para 84 milhões até a metade de 2022.

Isso refletiu no aumento expressivo do volume total de pagamento (TPV), que alcançou US$ 30 bilhões e, consequentemente, afetou positivamente a receita da companhia.

Gráfico apresenta aumento do TPV por trimestre, com pagamento de aquisição via marketplace (azul claro) e de Contas Digitais (azul escuro).
Aumento do TPV por trimestre, com pagamento de aquisição via marketplace (azul claro) e de Contas Digitais (azul escuro). Fonte: Mercado Livre

Porém, com a normalização da mobilidade pós-pandemia, em um cenário macroeconômico conturbado, MELI terá novos desafios daqui para frente.

Para superá-los, a companhia priorizou oportunidades onde possam crescer de forma sustentável enquanto se tornaram mais pacientes em desenvolver áreas que ainda são menos rentáveis.

No segundo trimestre de 2022 (2T22), apesar da comparação difícil, a plataforma do Mercado Livre continuou mostrando resiliência e, com isso, vimos o volume total de mercadorias transacionadas (GMV) crescendo +22% em dólar em relação ao ano anterior.

A sua divisão de pagamentos, Mercado Pago, continua crescendo e ganhando relevância dentro do ecossistema da companhia, oficialmente se transformando em um banco digital, podendo ofertar cada vez mais produtos e serviços financeiros. Com isso, vimos também a sua expansão de usuários únicos ativos para 38 milhões.

Seus esforços tiveram novamente impactos positivos em seu TPV de contas digitais, que atingiu a marca dos US$ 9,4 bilhões no 2T22 – crescimento de +167%.

Já o seu serviço de publicidade (Mercado Ads), continua sendo uma ótima ferramenta para aumentar as taxas de conversão e acelerar o volante de monetização, com um aumento do número total de anunciantes diários na plataforma, combinado com o aumento consistente do número do total de cliques em anúncios, que cresceu mais de 50% ano a ano no total.

No seu serviço de financiamento (Mercado Crédito), MELI continua crescendo, atingindo mais consumidores e vendedores, transformando isso em engajamento e ganho de margem.

O serviço de crédito atingiu um portfólio de US$ 2,7 bilhões, sendo 55% para empréstimos pessoais. É uma divisão que continua crescendo, mas agora de forma mais lenta, pois seguem evoluindo no seu modelo de scoring de crédito para emissão de novos cartões, adaptando-se ao novo cenário macroeconômico.

Apesar do cenário macro ainda desafiador para as varejistas e com muitos concorrentes em sua cola, a companhia manteve o crescimento de sua receita nos últimos trimestres e já começa a enxergar uma certa recuperação em seus lucros e margens (margem líquida atingiu 4,7% no trimestre).

Gráfico apresenta variação do lucro e cotação de MELI.
Variação do lucro e cotação de MELI. Fonte: Bloomberg

Com suas ações negociando a 174x lucros e 46x Ebitda, o mercado se mostra bastante confiante em relação ao crescimento que o MELI pode entregar no futuro.

“The Winner Takes it All”

“The loser's standing small…”

Não apenas uma música do grupo ABBA, mas também uma expressão muito conhecida no mercado para sinalizar que, em algumas competições, basicamente, apenas um player pode se consolidar (levando todas as vantagens) enquanto os demais serão deixados de lado.

Com a busca dessa consolidação no mercado de e-commerce visando dominar a América Latina em um setor que ainda é muito pulverizado, MELI investe boa parte do seu capital com o objetivo de crescer e criar vantagens competitivas que o tornem o principal player do mercado.

Porém, a criação de uma vantagem competitiva pode demorar a ser implementada e rentabilizada. Enquanto isso, o capital destinado aos investimentos aumenta, em um futuro ainda incerto e em uma indústria de fortes mudanças.

Será que o número de usuários da internet continuará crescendo na América Latina, aumentando o mercado endereçável para MELI crescer? A companhia conseguirá se consolidar como o player nº1?

No Investidor de Valor, preferimos jogar com uma maior certeza ao nosso lado, tendo empresas que já apresentam bons resultados e nos dão uma previsão mais clara para o futuro, além, é claro, de negociar a bons preços.
Para nós, devido aos riscos e incertezas, e pelo alto múltiplo em que a companhia negocia, preferimos no momento ficar de fora de MELI.

E você, já pensou em investir em MELI34? Qual é a sua opinião sobre os pontos de risco da operação?

Estou ansiosa para saber o que você pensa sobre isso.

Um abraço,

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