Dívida pública dos EUA bate recorde e governo enfrenta desconfiança entre investidores

Um ajuste fiscal é necessário para reduzir gastos e isso poderá afetar negativamente a economia americana e mundial

Cesar Crivelli 07/10/2023 08:00 6 min
Dívida pública dos EUA bate recorde e governo enfrenta desconfiança entre investidores

Mercado arredio

O destaque nos mercados internacionais durante as últimas semanas tem sido a forte alta dos juros nos Estados Unidos e o reflexo desse movimento em diversas classes de ativos.

As bolsas de valores e os ativos mais arriscados sofreram recentemente por conta do rápido aumento dos juros futuros no país.

Esse movimento não era de todo inesperado.

O Banco Central dos EUA, há bastante tempo, diz que as taxas de juros devem permanecer altas por alguns trimestres. O ciclo de aumento pode estar perto do fim, mas com certeza o início de um ciclo de redução de juros não está nem perto de começar.

O mercado tinha uma leitura diferente para as taxas de curto prazo. Até algumas semanas atrás, investidores achavam que já no começo do próximo ano o Banco Central dos EUA começaria a cortar os juros.

Agora, eles parecem estar apenas caindo na real e ouvindo o que o FED tem falado há bastante tempo. Nada estranho por aqui.

O que talvez tenha assustado um pouco o mercado foi o aumento dos juros de longo prazo, que pouco tem a ver com as decisões de aumento ou redução realizadas pelo Banco Central.

Os juros longos tendem a oscilar de acordo com outras questões, como o panorama fiscal do país (quanto o governo gasta acima do que ele arrecada), a percepção de risco por parte dos investidores a respeito do emissor, mudanças estruturais na dinâmica de inflação de longo prazo, entre outros.

Os Estados Unidos, apesar de serem a maior economia do mundo, passam por um momento diferente na história no que diz respeito aos gastos do governo. Esse parece ser um dos pontos mais preocupantes no longo prazo.

Renda fixa oscilando mais do que bolsas de valores

Parece meio impossível, mas é verdade!

O gráfico abaixo mostra o quanto uma carteira de títulos de longo prazo (10+ anos) do governo recuou em relação ao preço máximo recente.

O investidor que comprou essa cesta de títulos longos do governo americano em março de 2020 já viu seu investimento perder algo perto de -45%, marcando um dos maiores drawdowns da história da renda fixa no país.

Desempenho dos títulos longos do governo americano
Fonte: Bloomberg

A história por trás do aumento dos juros

Primeiro, os juros subiram por conta da inflação, que estava aumentando rapidamente e assim levou o Banco Central dos EUA a realizar um dos maiores e mais rápidos ciclos de aumento de juros desde 1980.

A inflação foi sendo domada, mas outros fatores, como o mercado de trabalho aquecido, salários em alta, excesso de gastos por parte dos consumidores, entre outros, justificam um juro mais alto por mais tempo e o mercado tem se ajustado a isso.

Mas a reação nos juros longos parece ser mais atrelada ao expressivo crescimento do endividamento dos Estados Unidos.

O gráfico abaixo mostra o quanto o país emitiu, ao mês, de dívida ao longo dos últimos meses. Apenas em agosto, o montante chegou perto de US$ 1,9 trilhão, marcando um dos maiores valores recentes.

Esse gráfico considera a rolagem da dívida e a necessidade de novos recursos, ou seja, ele é o montante “bruto” emitido no mês. Ao descontarmos o que venceu no período, o montante “líquido” fica próximo de US$ 330 bilhões — novos recursos captados pelo governo americano em agosto.

Emissão de títulos de dívida do governo americano
Fonte: SIFMA

Apenas neste ano, o governo dos Estados Unidos já aumentou sua dívida em cerca de US$ 1,7 trilhão. Hoje, a dívida total emitida pelo tesouro americano chega a US$ 25,4 trilhões.

O gráfico abaixo dá uma dimensão do quanto essa classe representa em relação ao mercado de dívida nos Estados Unidos.

Atualmente, o estoque de títulos emitidos pelo tesouro representa 2,5x o montante das empresas e cerca de 2x o montante de títulos lastreados em hipotecas.

 Estoque de títulos do governo americano
Fonte: SIFMA, dados até dez/2022. Considera apenas instrumentos de longo prazo.

O último movimento de stress nos juros, dias atrás, parece ter ocorrido pela colocação, em um único dia, de US$ 275 bilhões em títulos por parte do tesouro, como destaca o gráfico abaixo.

Total da dívida emitida pelo governo americano
Fonte: Bloomberg. O gráfico considera o total da dívida emitida (curto e longo prazo).

A continuidade desse movimento é insustentável no longo prazo, disso todos temos certeza.

Como mostra o gráfico abaixo, feito com base em projeções do próprio governo, se esse movimento continuar, o montante gasto no pagamento de juros de dívida, pelos EUA, consumirá boa parte da arrecadação, prejudicando outras alocações.

Despesas líquidas com juros nos EUA

Em algum momento não muito distante, os políticos nos Estados Unidos terão de realizar algum ajuste fiscal, reduzir gastos e isso poderá afetar negativamente a economia. Para manter os gastos correntes, será necessário aumentar impostos, o que também não é muito popular.

Do contrário, o sentimento de risco a respeito do país crescerá cada vez mais e os juros podem seguir em alta. A situação vira uma bola de neve se nada for feito. Para pagar mais juros, o país precisa emitir mais dívida. Emitindo mais dívida, cria-se a futura necessidade de pagar mais juros.

Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.

Meme bonds
Sol, estrela de nêutrons, buraco negro e títulos de dívida nos EUA estão entre os objetos mais pesados ​​do universo

Curtas

Está cada dia mais caro comprar uma casa

Em minha última newsletter, comentei que os juros para um financiamento de 30 anos bateram o patamar de 7,59%, maior nível desde o final de 2000. A coisa piorou nesta semana e a taxa chegou a 8%.

O gráfico abaixo mostra a evolução de prestação mensal para um financiamento de 30 anos, com taxa de mercado, considerando uma entrada de 20% do valor do imóvel, para uma residência com valor médio nos Estados Unidos.

Está cada dia mais difícil pagar a prestação da casa para novos financiamentos…

Evolução dos juros para financiamento de 30 anos nos EUA
Fonte: Bloomberg

Os melhores também sofrem

As melhores empresas perante os olhos das agências de risco, classificadas como Investment Grade, também estão sofrendo com o aumento dos juros quando o assunto é colocação de dívida no mercado.

O índice que mede o rendimento pago por empresas com essa classificação está perto de 6,3% — maior patamar desde junho de 2009 —, como mostra o gráfico abaixo.

Apesar de medir os juros pelas transações no mercado secundário, essa taxa serve de referência para novas emissões.

Rendimento pago por empresas para novas emissões de dívidas
Fonte: CharlieBiello

Cada dia mais difícil pagar o boleto

A taxa de inadimplência em diversos produtos financeiros tem aumentado consideravelmente nos Estados Unidos.

A taxa de inadimplência em cartões de crédito, financiamentos de veículos e pedidos de falência cresceu bastante nos últimos meses, como mostra o gráfico abaixo.

As hipotecas ainda estão com baixa inadimplência, mas isso é devido ao estoque de contratos possuir taxas muito baixas.

Aumento taxa de inadimplência nos EUA
Fonte: JP Morgan

Até a próxima semana!

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