Decifrando Os Principais Múltiplos Do Mercado: P/L E EV/Ebitda

Como estes múltiplos são calculados? O que nos dizem sobre as expectativas do mercado? Quais os cuidados que precisamos ter ao utilizá-los?

Rafael Ragazi 27/01/2020 23:00 8 min Atualizado em: 19/04/2021 23:02
Decifrando Os Principais Múltiplos Do Mercado: P/L E EV/Ebitda

Pra que servem os múltiplos?

Existem apenas 4 tipos de empresas na bolsa: ruins e caras, boas e caras, ruins e baratas, e por fim, as boas e baratas.

Queremos passar longe das primeiras, evitar as segundas, não cair em armadilhas com as terceiras e investir nosso dinheiro nas últimas — as empresas boas e baratas que encontramos.

Nosso trabalho como analistas fundamentalistas que somos, se resume em buscar discrepâncias entre a qualidade da empresa (seu valor) e o seu preço.

Queremos entrar (investir) em boas empresas, mas pagar apenas meia-entrada.

Mas o que são boas empresas?

São aquelas que atendem uma série de requisitos como: boa rentabilidade, alto crescimento, baixo endividamento, vantagens competitivas sustentáveis, gestão com capacidade comprovada, disciplinada e transparente, negócios de fácil compreensão, baixos riscos atrelados etc.

Logicamente, não existe empresa perfeita, mas para classificarmos uma empresa como boa, ela precisa apresentar boa parte das características descritas acima.

Porém, encontrar uma boa empresa é apenas parte do trabalho.

Precisamos, também, analisar o preço das empresas para então conhecermos as probabilidades de sucesso neste investimento.

Ao menos duas comparações são fundamentais para uma tomada de decisão de investimento ou desinvestimento coerente: o preço da empresa em relação ao de seus pares (e da bolsa em geral) e em relação ao seu crescimento potencial.

Para tal, precisamos colocar empresas diferentes em uma mesma unidade de medida, e é para isso que servem os múltiplos.

Os principais múltiplos do mercado: P/L e EV/Ebitda

Os lucros que uma empresa gera, sejam eles reinvestidos no negócio ou distribuídos na forma de proventos, são a remuneração do acionista por ter investido na empresa.

Logo, faz todo sentido comparar o preço de uma empresa com seu lucro, enquanto analisamos se uma ação está cara ou barata.

Afinal, olhar para o preço da ação isoladamente não traz informação nenhuma.

Uma ação que negocia a 50 reais pode ser muito mais barata do que uma ação que negocia a 25 reais. Basta que a primeira tenha entregue um lucro por ação de 5 reais nos últimos 12 meses, e a segunda, um lucro de apenas 1 real.

No exemplo acima, a primeira ação negocia a 10x lucros, enquanto a segunda negocia a 25x lucros — e este é o múltiplo Preço/Lucro (P/L), o múltiplo mais popular no mundo dos investimentos.

Chegaríamos nos mesmos P/L de 10 e 25, dividindo a capitalização de mercado das empresas (preço x quantidade de ações), pelo seus lucro líquidos totais dos últimos 12 meses.

Multiplicar o numerador (preço) e o denominador (lucro) pela quantidade de ações não muda nada.

Por sua vez, uma empresa que entrega um Ebitda de 100 milhões nos últimos 12 meses, tem uma capitalização de mercado de 500 milhões e uma dívida líquida de outros 500 milhões, está negociando a 10x Ebitda.

Este múltiplo, o Enterprise Value/Ebitda (EV/Ebitda) nada mais é do que a soma do valor agregado de todas as fontes de financiamento de uma empresa — acionistas (capitalização de mercado) e credores (dívida líquida), dividido pelo seu Ebitda.

Ao utilizarmos o Ebitda como referência, precisamos somar a dívida ao dinheiro dos sócios, porque assim como os acionistas, os credores da empresa ainda não receberam sua remuneração — os juros, que vão entrar como despesa financeira, apenas após o Ebitda, seguindo a ordenação padrão de uma demonstração de resultado.

Expectativas implícitas

Os múltiplos são essenciais para compararmos empresas entre si, mas também servem para nos contar o que o mercado espera dos resultados de uma empresa.

Quanto maiores os múltiplos, maiores as expectativas implícitas.

Quanto maiores os múltiplos de uma empresa, mais ela tem que crescer para negociar a um múltiplo mais baixo e deixar de ser cara.

É simples: se uma empresa que negocia com um P/L de 30 dobrasse seus lucros, passaria a ter um P/L de 15, caso suas ações se mantivessem estáveis.

Deste modo, além de comparar os múltiplos de uma empresa com os de seus pares, também é preciso confrontar o crescimento implícito com o potencial de crescimento factível para os resultados da empresa.

Faz mais sentido que uma empresa jovem e em plena expansão negocie a múltiplos altos, do que uma empresa madura, que cresce em linha com a inflação e já não tem tantas oportunidades de investimento para acelerar seu crescimento.

Mas nem sempre o mercado será racional.

Ele adora pagar múltiplos altos por empresas “premium” ou “quality”, como Weg (WEGE3) — uma excelente empresa, mas que negocia a um P/L de 60, e vem crescendo apenas 11 por cento seus lucros nos últimos 12 meses.

O mercado também adora pagar adiantado — por resultados que existem apenas num futuro extremamente promissor —, Sinqia (SQIA3), por exemplo, ainda está longe de entregar tudo que promete ser, mas negocia a altos 131x Ebitda.

Essas empresas podem sim entregar excelentes resultados e corresponder a todas as expectativas implícitas do mercado nos próximos anos. Não estou aqui questionando isto.

Porém, para investir em ações é necessário tomar decisões com informações limitadas e (logicamente) sem saber o futuro.

A única coisa que você pode fazer para obter uma boa rentabilidade, com consistência, é investir com as probabilidades ao seu lado.

Quando você aceitar pagar caro demais por uma empresa, precisa estar consciente que as coisas podem azedar, e rápido, caso a empresa decepcione o mercado. As probabilidade estão contra você.

Na semana passada, as ações de Hering (HGTX3), que negociavam a 18x Ebitda previamente, caíram mais de 12 por cento em único dia, após a empresa divulgar suas prévias operacionais para o 4T19.

Tudo isso só serve para exemplificar uma coisa: pagar caro sem ter como contrapartida a visibilidade de um alto crescimento de resultados, significa correr um alto risco sem ser devidamente remunerado por isto.

Cuidado: os múltiplos podem enganar

Para não incorrer numa leitura incorreta dos múltiplos, é preciso analisá-los com cautela.

É preciso se atentar a fatores como a fase do ciclo em que uma empresa se encontra, a existência de não-recorrentes nos resultados da companhia, benefícios ou incentivos tributários e as diferenças entre as estruturas de capital de empresas comparáveis.

Ezetc (EZTC3), por exemplo, pode parecer cara a primeira vista, negociando a 52x lucros.

Mas é preciso levar em consideração que a empresa retomou o forte ritmo de lançamentos de empreendimentos apenas em 2019.

Os imóveis lançados agora, levam até 3 anos para serem construídos e entram nos resultados da companhia de acordo com a evolução financeira das obras. Ou seja, existe um “atraso” entre o que a empresa já está lançando e o que o resultado atual nos mostra.

Desta forma, olhar apenas para os múltiplos de EZTC3 pode induzir à falsa conclusão de que a empresa está muito cara, quando na verdade não está.

Em outros casos, não-recorrentes, podem afetar consideravelmente os múltiplos das empresas.

Em seu recente IPO, a varejista de moda C&A (CEAB3), foi precificada em sua estreia na bolsa com um múltiplo de 5,5x Ebitda.

Uma barganha, certo?

Errado! Ao retirar dos R$ 1,35 bilhão de Ebitda nos últimos 12 meses antes da oferta, os quase R$ 700 milhões referentes a créditos fiscais obtidos pela companhia no período, chega-se num EV/Ebitda Ajustado de 10,7...que é caro demais para uma empresa que nem dá lucro sem a ajuda dos não-recorrentes.

A própria Hering, citada a pouco, pode não parecer cara negociando a 18x lucros, mas ao analisarmos seu EV/Ebitda de 15, já não parece tão barata assim.

Isto acontece porque a empresa goza de um enorme benefício fiscal e não paga imposto de renda.

Em outros casos, as empresas poderão apresentar prejuízos, o que dificulta a comparação do P/L daquela empresa com o de outras. Dado que um P/L negativo não tem interpretação matemática.

Assim como, empresas do mesmo setor, com rentabilidade operacional similar, podem apresentar um P/L muito distinto entre si, caso tenham níveis de endividamento muito diferentes.

Neste caso, o “peso” das despesas financeiras pode deixar a empresa com mais dívida bem mais cara, mesmo que ambas tenham rentabilidades operacionais similares.

Por conta destes e de outros fatores, é importante sempre analisar ambos os múltiplos em conjunto, atento a anomalias que chamam a atenção.

Ensinando a pescar

Por fim, é importante ressaltar que a análise dos múltiplos é apenas um dos passos de um extenso processo de análise que leva em conta tanto fatores qualitativos, quanto quantitativos.

Infelizmente, por conta de tudo que foi abordado acima, fica claro que uma regra de bolso como “um P/L acima de X é caro”, poderia mais atrapalhar do que ajudar.

Para entender se uma empresa está cara ou barata é preciso comparar seus múltiplos com sua rentabilidade, vantagens competitivas, capacidade de crescimento, e logicamente, com os riscos envolvidos em suas atividades.

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Abraço,

Rafael Ragazi.

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