Ontem, 17, a Câmara dos Deputados aprovou, por 367 votos a 102, o regime de urgência para a votação do novo arcabouço fiscal que substituirá o teto de gastos.

Na prática, isso significa que o projeto não precisa passar pelas várias comissões da Câmara para ser votado em plenário. A votação de mérito está marcada para a próxima quarta, dia 24.

Junto a essa novidade positiva, tivemos também a inclusão de gatilhos obrigatórios para serem acionados caso as despesas ultrapassem a meta. E a não execução dos gatilhos agora fere a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Ou seja, tudo isso é notícia positiva para o mercado e, principalmente, para a saúde da dívida pública brasileira.

Como eu havia reforçado aqui, isso não significa que esse é o melhor arcabouço que eu já vi. Isso significa apenas que podemos tirar dos cenários possíveis catástrofes. Parece pouco, mas já é bastante.

Com essas novidades, vimos as taxas de juros caírem bastante no meio da tarde e a bolsa brasileira acelerar a alta, atingindo quase 110 mil pontos em uma alta de cerca de 1%.

Empresas de crescimento chegaram a subir entre 2,5% e 5,8%, tendo uma performance acelerada em relação à Bolsa.

Atividade forte

A melhora do mercado está muito ligada ao arcabouço fiscal e, com isso, melhora a perspectiva de taxa de juros.

Mas, por outro lado, tivemos dados bem altos de vendas no varejo.

O crescimento de março de 2023 em relação ao mesmo mês de 2022 foi de 3,2%, enquanto o mercado esperava alta de apenas 1,2%. Ou seja, atividade bem mais aquecida do que o esperado.

Na semana passada, os próprios dados de inflação também foram levemente acima do esperado e alguns núcleos, inclusive, mostraram alta.

Isso deveria aumentar a percepção de que o Banco Central terá mais dificuldade de iniciar um ciclo de queda da Selic no curto prazo.

“Mas, então, por que o mercado está reduzindo os juros?” — você deve estar se perguntando.

Tem várias coisas que influenciam as taxas de juros. Mas tem dois aspectos que se sobressaem: política monetária e fiscal.

Política monetária

A política monetária do Banco Central acaba impactando mais na curva de juros de curto prazo. A taxa Selic, que é a taxa que o BC decide, influencia apenas nos juros de 1 dia. O resto da curva vai sendo construído com a expectativa do mercado a respeito dessa trajetória da Selic ao longo das próximas reuniões do Copom.

Porém, quanto mais você sai do curto prazo e começa a construir a curva de juros de médio e longo prazo, menos a taxa Selic de 1 dia passa a influenciar na sua expectativa.

Outras variáveis como eficácia da política monetária e a política fiscal começam a ditar mais esses vértices da curva.

Por exemplo, se o BC cair a taxa Selic antes do mercado achar que a inflação está controlada, os juros de curto prazo (até 2 anos) provavelmente vão cair, mas os juros de médio (2 a 4) e longo (acima de 4 anos) podem subir.

O mercado passa a esperar que a queda na taxa Selic não será capaz de controlar a inflação e que em algum momento no futuro o BC terá que retomar o ciclo de alta, e assim os juros longos sobem.

Política fiscal

A política fiscal também influencia muito as taxas de juros longas. Com uma política fiscal mais restritiva, o mercado acredita que o BC poderá, no médio e longo prazo, trabalhar com taxas de juros de países mais responsáveis, e o juro longo cai.

Ou seja, a meu ver, o que está acontecendo no mercado é que o efeito de longo prazo “arcabouço melhor” está dominando o efeito de curto prazo “atividade mais forte”. Os juros longos estão respondendo à melhora fiscal.

Os juros curtos podem até subir, uma vez que com a atividade mais forte será mais difícil o BC cortar os juros tão rápido. Mesmo assim, essa possível posição mais austera do BC seria positiva para os juros longos.

E se é positivo para os juros longos, é positivo para a Bolsa!

Próximos passos

Temos agora que ficar bem atentos com essa votação da semana que vem do novo arcabouço.

Caso ele passe com essas regras mais duras de gatilhos, o mercado deve continuar reagindo positivamente, tanto nos juros quanto na Bolsa, e principalmente nas ações de crescimento.