Avaliamos os desdobramentos da nova parceria da Cielo, que ao contrário do que muitos pensam, também tem seu lado tech.

Enquanto o mercado caía na segunda-feira (15), preocupado com a segunda onda do coronavírus, as ações da Cielo (CIEL3) dispararam e encerraram o pregão com valorização de 14 por cento.

O motivo foi o comunicado da parceria com o Facebook para realização de pagamentos por meio do WhatsApp. A nova funcionalidade começou a ser liberada, gradativamente, no mesmo dia.

A funcionalidade

O aplicativo de mensagens agora apresentará opções para transferência de valores por meio dele — é preciso configurar o Facebook Pay no app. As transações poderão ser realizados 24 horas por dia, seja para um contato da sua agenda (apenas no débito e sem taxas), ou de pessoa física para empresas (no débito e crédito, com uma taxa de 3,99 por cento).

A taxa é um pouco maior do que a que costuma ser aplicada no mercado, mas possui a vantagem de o comerciante não precisar pagar pelo aluguel de maquininhas, por exemplo.

Quem pode não gostar da ideia são os concorrentes da Cielo, que atuam no segmento de microempreendedores —  como a Pagseguro. Comércios com menor ticket médio podem preferir os pagamentos entre pessoas físicas, que não possui taxa.

Existe o PIX do Banco Central no meio do caminho…

Mesmo com um lançamento recente, em breve o WhatsApp pode encontrar uma concorrência à altura para competir com sua modalidade de pagamento.

O Banco Central deve lançar, em novembro, um sistema instantâneo de pagamentos e transferências chamado Pix. Ele poderá ser adotado pelos principais bancos do varejo — como Itaú, Banco do Brasil, Santander e Bradesco.

O diferencial do PIX — que será uma alternativa ao TED e ao DOC dos bancões — é o recebimento instantâneo do valor de pessoa física para pessoa física (além de P2B, B2B, entre outros) a qualquer instante, mesmo nos finais de semana — no WhatsApp o débito acontece em 1 dia e o crédito em 2 dias. As transações também poderão ser feitas por meio de QR code, ou apenas informando um número de CPF ou telefone, sem precisar de dados bancários, segundo o Bacen.


BC de olho no WhatsApp

O Banco Central convocou o Facebook para esclarecer algumas dúvidas sobre a plataforma e quer o melhor entendimento para as vias de controle das movimentações financeiras.

Um dos objetivos do Bacen é não incentivar grandes sistemas fechados de pagamentos, como o que acontece na China com alguns aplicativos.

Além do advento do PIX, a funcionalidade do WhatsApp ainda é limitada, pois conta com poucos bancos participantes — assim como o PIX, pode ser utilizado pelas instituições —, que hoje são: Banco do Brasil, Nubank e Sicredi.

Bradesco e Banco do Brasil são sócios da Cielo, e sentimos falta do apoio do primeiro, que parece não ter entrado na ideia do aplicativo de mensagens. Vejo isso como ponto negativo.

O impulso de dois grandes bancos de varejo facilitaria (e muito) o avanço da parceria com outras instituições.

WhatsApp — um super app?

Toda essa animação do mercado também resvala no potencial que o WhatsApp tem para ser um dos famosos “super apps”. Indo na "esteira" de aplicativos chineses que consolidam praticamente tudo o que você precisa em uma única plataforma, como o WeChat e o Alibaba.

Segundo dados da Mobile Time, o WhatsApp está instalado em 99 por cento dos smartphones no Brasil e é usado com frequência diária em 93 por cento deles, o que resulta, hoje, em mais de 120 milhões de brasileiros utilizando o app. O Telegram, principal concorrente, é usado com uma frequência diária de 29 por cento dos smartphones.

Fonte: Mobile Time.

O aplicativo possui potencial, mas está longe de ser um desses super apps como os da China. Hoje, no Brasil, quem está mais perto disso seria o Rappi.

O WhatsApp está se assemelhando com aplicativos de carteira digital, como Picpay, Iti (do Itaú), Ame (do grupo B2W) e Mercadopago (do MercadoLivre).

Contudo, a Cielo nada tem a perder com essa parceria. Pelo contrário, tem muito a ganhar caso o volume de transações passe a ficar relevante e a Companhia permaneça como principal adquirente do aplicativo.

O momento é propício

A Cielo ainda é a líder do seu segmento, mas luta de todas as formas para recuperar seu market share perdido para as demais concorrentes.

Fonte: Cielo. Elaboração: Nord Research.

Para a Companhia, a parceria com o WhatsApp é uma das mais importantes realizadas, recentemente, para se manter competitiva.

Do outro lado, o momento para o varejo é de adaptação forçada ao e-commerce.

Os resultados da Cielo andam em conjunto com o desempenho do segmento no Brasil. Desde o início da quarentena em diversas regiões do país, o setor amargou duras quedas de faturamento, com as receitas de vendas caindo -11,5 por cento em março, -36,5 por cento em abril e -30,5 por cento em maio, segundo dados do Índice Cielo do Varejo Ampliado — ICVA.

Como o WhatsApp é uma ferramenta de comunicação majoritariamente utilizada no país, é normal que pequenos comércios o usem com recorrência para facilitar a comunicação com os clientes.

Segundo pesquisa feita pelo SEBRAE, 72 por cento dos comerciantes utilizam a versão padrão do aplicativo — e não a versão Business. Com a funcionalidade de pagamentos, o número de usuários da versão profissional  — que não possui os números abertos — pode ter aumentado, inclusive, em decorrência das quarentenas.

Para o Facebook, nada mais conveniente do que testar a funcionalidade do Facebook Pay em um país com alta adesão ao seu principal aplicativo de mensagens e também aproveitar uma parceria com um gigante do setor de pagamentos.

O que a Cielo ganha com isso?

É prematuro estimar o potencial da iniciativa. Mas a julgar pela realidade de outros mercados — com ênfase em países asiáticos — e considerando a forte adesão do brasileiro ao WhatsApp, são bons os prognósticos.

Por enquanto, a Companhia larga na frente das concorrentes, já que os comerciantes interessados em utilizar o aplicativo precisarão se credenciar junto à Cielo por meio da plataforma WhatsApp Business.

Não ficou claro sobre a exclusividade da Companhia na parceria, algo que pode retirar todo o potencial de captação dos volumes transacionados na plataforma no futuro.

Caso se prove uma tendência de pagamentos, a nova frente de atuação se traduz em reforço ao volume financeiro transacionado para a Cielo e captação de novos clientes, pelo menos enquanto os demais concorrentes não entrarem.

CIEL3 negocia a 14 vezes lucros. Muito descontada em relação aos seus pares (Stone e Pagseguro) que são negociados no exterior.

A assimetria conta muito a favor. São casos assim que gostamos na série Nord Deep Value. Empresas com oportunidades de retorno que compensam os riscos incorridos. Sempre direcionada a uma parcela limitada do nosso portfólio.