Fachada linda, cozinha desarrumada

Todos os escândalos de gestão fraudulenta das últimas décadas, seja no Brasil ou no exterior, foram causados, em sua maioria, por algum desvio de conduta ou cultura alimentada para se desviar da ética.

“Só” e tudo isso é capaz de destruir o legado de uma empresa de anos de mercado.

E problemas como esse acontecem há anos, como casos emblemáticos da Enron e IRB (IRBR3).

Enron utilizou uma tática chamada de “mark to market”, em que basicamente os ativos da companhia eram corrigidos ao valor “justo” e também Enron poderia reconhecer suas receitas antes mesmo de serem realizadas.

Isso inflou o balanço de uma forma que a companhia reconheceu valores astronômicos que só seriam recebidos no futuro, elevando a rentabilidade e lucratividade da companhia no momento atual, além de esconder suas dívidas em subsidiárias.

Vinte anos depois, nos deparamos com a IRB, uma empresa fundada em 1939 que atingiu os níveis de maior companhia do setor de resseguros do país e foi uma das ações mais valorizadas em 2019, com forte crescimento de resultados.

Manchete do Valor diz "IRB Brasil demite contador por justa causa"
Fonte: Valor Econômico

O crescimento era muito acima dos pares, o que chamou a atenção da gestora Squadra em 2020, confirmando os números duvidosos de IRB, bem como a falsa tentativa de mencionar que Warren Buffett estava comprado na companhia (nunca esteve e nunca estará, segundo a fala do próprio bom velhinho).

A governança corporativa existe de verdade?

Até os melhores investidores do mundo, como Charlie Munger e Buffett, com as melhores informações e análise lapidada por décadas, foram pegos de surpresa com problemas de governança em suas investidas.

A Kraft Heinz, investida dos grandes Value Investors junto ao 3G Capital, deu uma escorregada em 2019 ao encontrar uma falha de US$ 298 milhões, gerando desconfiança e investigação nos balanços dos 4 anos anteriores. 

Manchete do UOL diz "Kraft Heinz admite problemas com grande baixa contábil"
Fonte: UOL

Um dos focos mais conhecidos da governança corporativa é o monitoramento da gestão, o qual deve garantir a integridade e transparência sobre qualquer demonstração contábil, decisões da administração e os impactos.

As ferramentas e participantes da pauta ESG estão cada vez mais buscando alinhamento entre o objetivo da companhia, que envolve em sua maioria a busca por aumento de lucro, mas com o total alinhamento de que para atingir o resultado ele não deve adulterar, fraudar ou omitir informações que são disponibilizadas aos acionistas e terceiros.

Mas volta e meia temos casos isolados acontecendo, como o recente escândalo da Lojas Americanas (AMER3).

Todas as empresas da Bolsa são confiáveis?

No caso da Americanas, o prejuízo ainda está latente na carteira de muitos investidores.

Manchete do G1 diz Americanas: relatório aponta mais de R$ 40 bi entre fraudes e lançamentos indevidos
Fonte: G1

Na teoria, o mercado esperava que os apontamentos fossem algo que a auditoria conseguisse capturar.

Na prática, os auditores não participam da gestão da empresa, muito menos dos controles internos e de como todos os negócios são executados. Existe apenas uma visão externa que aprova, reprova ou sinaliza alguma inconsistência nos números.

Os responsáveis por uma boa governança, no final, são os conselheiros, administradores e funcionários.

Cultura e conduta.

ESG sem o “G”

No caso da Americanas, dificilmente alguma pessoa física iria conseguir notar os problemas do balanço, e até os melhores analistas, dado que a empresa tratou como dívida de fornecedores algo que era negociação dos bancos, portanto seria uma despesa financeira.

É uma prática comum do mercado (risco sacado), que não é de fato um problema, mas a ausência de explicação disso colocou todos os acionistas em risco.

O que seria possível observar, então, no caso da Americanas? O histórico de resultados ruins antes e depois da maquiagem em seus números.

Histórico de prejuízo, ebitda e lucro de AMER3 desde 2006
Fonte: Bloomberg

A companhia possui resultados com pouco crescimento há algum tempo e se mostrou incapaz de entregar resultados estáveis em um segmento (varejo) que já é bastante desafiador no mercado brasileiro.

A competição é cada vez maior e a ausência de geração de caixa operacional ao longo do tempo pela companhia, bem como seu endividamento médio, poderiam ser indícios para o investidor passar longe.

Em 2016, o mercado também se deparou com os escândalos de corrupção dentro da Petrobras (PETR3), com a Lava Jato e seus consequentes desvios de R$ 6,2 bilhões, contabilizados como perdas patrimoniais no balanço da companhia, em função do superfaturamento de contratos entre a companhia e seu “clube de empreiteiras”.

Como precificar governança?

Os casos mais sérios de governança corporativa, como fraude, corrupção, irregularidades são difíceis de serem precificados no momento em que há somente desconfiança, mas me arrisco a dizer que podem fazer as empresas valerem virtualmente zero.

É necessário muito estômago e fé para imaginar que as empresas possam se recuperar de tais rombos em sua imagem.

Por outro lado, há escândalos “menores” como ajustes em provisões trabalhistas, como aconteceu em 2021 com Grupo Casas Bahia (BHIA3), antiga Via e Via Varejo, que a matemática trabalhou para que as provisões aparecessem dobradas no 3T21.

O mercado, rapidamente desconfiado de possíveis problemas no futuro, puniu as ações no dia com queda de mais de -10%.

Casos da mesma empresa que, em 2020, publicou os resultados das vendas “por engano” no Twitter, agora chamado de “X”.

Manchete do Valor diz "Via Varejo publica dados de vendas por engano no Twitter e depois apaga mensagens"
Fonte: Valor Investe

Existem casos que, analisados isoladamente, podem ser investimentos no futuro, como muitos que recuperaram a confiança do mercado, como Hypera (HYPE3) e BTG Pactual (BPAC11), em função da recuperação da imagem e dos seus bons resultados.

Com a precificação correta, bons resultados e, o mais importante, total reestruturação da governança corporativa, as empresas são reavaliadas pelo mercado para uma nova chance de investimento.

Invista, mas sempre desconfie

O Brasil não é isoladamente o problema no quesito governança corporativa, e entendemos que isso é um risco a ser levado em consideração ao investir em empresas.

É importante entender o histórico da empresa e principalmente as peças-chave para o negócio funcionar.

Para saber a "capivara” da empresa, basta uma pesquisa mais aprofundada, inclusive no formulário de referência das empresas disponível no site de relação com investidores de cada uma delas.

Lá, é possível encontrar se houve alguma falência, salários da administração, alta gestão, histórico dos pagamentos/ganhos e entender também se existem empresas que possuem resultados ruins e os salários só aumentando…

Encontramos também transações que podem ser suspeitas, negociações entre donos e subsidiárias…

Volta e meia o mercado nos contempla com peripécias como essas, mas as pautas de governança corporativa têm ficado cada vez mais intensas, e boa parte das empresas será rapidamente exposta sem grandes cerimônias.

Ainda assim, investir tem uma variável que não é tão tangível e tão absoluta desde o dia 1. Por isso é importante o investidor observar que seu patrimônio precisa estar alinhado ao risco que deseja correr.

Muito cuidado com o seu rico patrimônio.