Hering +67 por cento, Soma -10 por cento
Era uma vez a varejista dos peixinhos
Esta história começa com as persistentes dificuldades que Hering (HGTX3) vem tendo desde meados de 2013.
O ano de 2013 marcava o fim do ciclo de crescimento da Hering. Ciclo que havia começado ainda em 2007, com uma estratégia simples: foco nos básicos mais acessíveis e expansão e fortalecimento da rede Hering Store (franquias).
Entre 2013 e 2020, foram diversas novas estratégias mirabolantes, todas tentando repetir o sucesso dos básicos entre 2007-2013.
Sem sucesso agora. O básico já não funciona mais para a Hering.
Hering é Value Trap?
Acreditem em mim, não foi por falta de tentativa.
Alguns dos melhores fundos ativistas do Brasil (incluindo a poderosa Dynamo) tentaram e falharam em trazer a companhia de volta ao crescimento.
Eu mesmo já acreditei. Recomendamos compra de Hering entre dezembro de 2015 e fevereiro de 2017. Como muitos investidores na companhia, cansamos das novas estratégias, das promessas vazias e dos resultados decepcionantes. Jogamos a toalha. Desistimos.
Afinal, se Hering é um negócio extremamente rentável, com marca forte e reconhecida, presença nacional… por que a companhia simplesmente não consegue voltar ao crescimento?
Seria Hering uma enorme armadilha de valor?
HGTX +67 por cento
Foi tudo muito rápido. No último dia 15 de abril, a Hering divulgou que a Arezzo (ARZZ3) havia feito uma oferta não-amigável de 3,1 bi pela companhia.
Apesar dos Birmann, controladores de Arezzo, e os Hering, controladores de Hering, serem amigos de longa data, a oferta foi "hostil".
Pois é, ninguém acreditou nessa.
HGTX +28 por cento e ARZZ +8,5 por cento no dia do anúncio.
Com as duas ações subindo forte, isso significava que o mercado via a operação como benéfica para as duas empresas.
Os Hering rechaçaram a oferta, dizendo que a Arezzo se aproveitava de um valuation deprimido em bolsa.
Contudo, 6 dias depois, no último dia 26, o Grupo Soma (SOMA3) anunciou sua oferta para a Hering: 5,1 bilhões de reais (mais ou menos preço pré-pandemia).
Estaria Fábio Hering já esperando pela oferta de Soma? (eu acho que sim). As ações de Hering aproveitaram para subir mais +26 por cento, enquanto SOMA caía -10 por cento.
Caíram? Por quê?
O buraco é mais embaixo (em cima)
Antes de responder, vamos especular sobre qual é o problema da Hering: por que a Hering não cresce há tanto tempo?
Observando de longe (de fora da gestão), vendo as diversas novas estratégias, a entrada e saída de consultores, de fundos ativistas, de novos planos, de novas pessoas…
O negócio é bom. Vejam só o nível de ROE (retorno sobre o patrimônio) da companhia.
Só pode haver um motivo – o problema da Hering está no topo. No CEO, no dono, no acionista. Após tantas mudanças na companhia, nas pessoas, nas coleções, nas estratégias, nos acionistas, a companhia precisa de nova gestão.
Sim, Thiago Hering (filho) estaria preparado para assumir o leme, após o mercado reconhecer que fez um bom trabalho com os franqueados. Mas alguém que nasceu e cresceu sob a mesma cultura que não funciona desde 2013 seria a melhor escolha?
Preço sempre importa
O interessante dessa negociação é que ficou bem claro o pensamento do mercado.
Arezzo ofereceu algo ao redor de 20x Ebitda histórico por Hering e o mercado gostou. As ações de Arezzo subiram +10 por cento.
O Grupo Soma está oferecendo aproximadamente 27x Ebitda histórico por Hering e o mercado não gostou.
Suas ações caíram -10 por cento no dia do anúncio.
É o mercado dizendo (voz dramática): "Soma, você está pagando caro demais". O Grupo Soma está pagando quase o dobro (mais ou menos +75 por cento) do valor de mercado que Hering negociava antes da oferta de Arezzo.
São 9,63 reais por ação mais 1,62x ações do grupo Soma. Ou seja, com SOMA3 valendo, hoje, 12,67 reais, HGTX3 deveria valer 30,16 reais.
Mas Hering ainda negocia a 28,62 reais, por quê?
A chuva de M&As no varejo
Mesmo no meio de lockdowns, crise e pandemia, as varejistas brasileiras estão corajosas. Após a oferta de compra de Arezzo (ARZZ3) para Hering, o mercado entrou em "modo fusões e aquisições".
Da noite para o dia, todas as varejistas boas (com crescimento pré-crise) comprariam todas as ruins (sem crescimento), em um movimento de consolidação nunca antes visto na história do mercado brasileiro.
- Arezzo compraria Hering;
- Grupo Soma (SOMA3) está comprando a Shoulder;
- Renner (LREN3) compraria C&A (CEAB3), ou a Dafiti, ou a Marisa;
- ?
A Renner está emitindo até 6,5 bilhões de reais em ações e poderia comprar todo mundo? Esse é o nível da confiança no que a Renner vem fazendo nos últimos anos.
Vamos acompanhar. Essa chuva de fusões e aquisições tem tudo para ser interessantíssima.
Quanto vale a Hering?
Depende.
Para o Grupo Soma, mesmo tendo anunciado sinergias de apenas 200 milhões de reais, vale mais do que para mim. Claro, eles poderão fazer as mudanças necessárias para reverter os resultados da companhia (tirar a família da gestão). Eu não conseguiria fazer isso.
O valor da Hering, hoje, está muito mais relacionado à capacidade do Grupo Soma de conseguir trazer de volta o crescimento à varejista de peças básicas, e veremos muitos (muitos, muitos) argumentos rápidos e vazios sobre isso no futuro próximo.
Mesmo sem ter tempo de pensar sobre a fusão, teremos cada analista chutando para um lado. Veremos os analistas mais mal vestidos do mercado comentando sobre a atratividade das coleções de moda das empresas (sim, isso acontece!).
Eu apenas assumirei minha incapacidade de avaliar moda em geral.
Probabilidades: Soma + Hering é compra?
Imagino que a operação dará certo. Não vejo problemas no CADE, e o preço pago pelo Grupo Soma deverá afugentar a competição.
Mas Hering ainda negocia 5 por cento abaixo do preço que Soma pagará na empresa – esse é o prêmio de risco que o mercado oferece caso a operação tenha sucesso.
Hoje, Hering negocia a 27x Ebitda histórico, e Soma negocia a 90x – ambos impactados pela pandemia, claro. Mas precisamos retirar a pandemia da conta. Hering negocia a 17x Ebitda de 2019, e Soma a 28x.
Já pensando no futuro, usando a média das estimativas para 2021, ambas negociam a 19x Ebitda (LREN negocia a 16x, por exemplo). Quer dizer, no preço atual, a reestruturação de Soma + Hering já deu certo. Hering negocia ao mesmo preço de Soma.
Pense em probabilidades: vale a pena pagar por uma reestruturação que ainda não deu certo em Soma + Hering? Ou é melhor pagar menos por uma ótima varejista, com uma execução que já funciona, como LREN?
Soma + Hering pode dar certo? Pode. Eu acho muito provável que funcione (é só tirar a família da gestão). A Hering é um ótimo negócio, extremamente rentável, com marca forte e presença nacional.
De qualquer modo, uma reestruturação nunca é fácil. O tempo de operação das empresas é completamente diferente do tempo do mercado. Pensando em probabilidades, preferimos observar Soma + Hering de fora.
A moda é passageira. Aguardamos pacientemente. As movimentações no varejo brasileiro ainda nos darão boas oportunidades.