A contabilidade criativa, frequentemente referida como parafiscal no setor público, é um tema que desperta interesse e controvérsia.

Neste artigo, exploraremos como essa prática funciona, seus objetivos, a relação com a contabilidade governamental, sua legalidade e os impactos no setor público, além de exemplos recentes que ilustram sua aplicação.

Sumário

O que é contabilidade criativa, também conhecida como parafiscal?

Contabilidade criativa é o nome dado a práticas contábeis que têm o objetivo de manipular dados financeiros de uma empresa ou governo para apresentar uma situação econômica mais positiva

No setor público, essas práticas são realizadas, por vezes, através de ajustes parafiscais, uma vez que visam ajustar ou maquiar certas despesas e receitas, sem impactar diretamente os números principais divulgados ao público.

Como a contabilidade criativa funciona?

A contabilidade criativa envolve ajustes que manipulam a forma como as receitas e despesas são registradas, omitindo passivos ou aumentando ativos de maneira a criar uma falsa percepção de estabilidade financeira.

No caso do governo, isso é feito alterando conceitos como “resultado primário” e “dívida líquida”, usando, por exemplo, empresas públicas para realizar operações financeiras que não aparecem nas contas do setor público e lançando receitas futuras incertas como garantidas. Com isso, os gastos são maquiados e o endividamento real pode ser disfarçado.

Quais são os principais objetivos da contabilidade criativa?

O principal objetivo da contabilidade criativa é ocultar a real situação financeira de uma entidade, seja ela uma empresa ou governo. No caso do setor público, a prática é usada para:

  • esconder o crescimento da dívida pública;
  • cumprir regras orçamentárias;
  • evitar a percepção de descontrole fiscal;
  • manter a confiança dos investidores e da população;
  • facilitar a obtenção de empréstimos e financiamentos.

Entendendo a contabilidade governamental: qual é a relação com a contabilidade criativa?

A contabilidade governamental tem como função registrar e controlar os atos e fatos financeiros do setor público, com o objetivo de garantir a transparência e a responsabilidade fiscal. No entanto, ao usar a contabilidade criativa, o governo contorna esses princípios, alterando a apresentação dos números para que pareçam mais favoráveis, como já mencionamos.

Assim, práticas como a omissão de dívidas ou o adiamento de despesas fazem com que as contas públicas aparentem estar sob controle, quando, na verdade, não estão.

Contabilidade criativa é ilegal?

Essa técnica pode ser considerada ilegal quando viola os princípios contábeis ou a legislação fiscal vigente. 

Embora algumas práticas de contabilidade parafiscal não infrinjam diretamente alguma lei, elas podem ser consideradas antiéticas por mascararem a verdadeira situação financeira, violando o espírito das normas contábeis.

O impacto da contabilidade criativa no setor público

A contabilidade parafiscal, quando utilizada no setor público, pode ter consequências graves tanto para a economia de um país quanto para a credibilidade das suas instituições.

Apesar de, em um primeiro momento, essas manobras aparentarem resolver problemas fiscais imediatos, no longo prazo, elas geram efeitos negativos que podem ser difíceis de reverter. Abaixo, vamos explorar mais a fundo como essa prática afeta a administração pública, a confiança dos investidores, o ambiente econômico e a sociedade em geral.

Perda de credibilidade e confiança dos investidores

Um dos maiores impactos da contabilidade criativa no setor público é a erosão da confiança por parte de investidores e instituições financeiras.

Quando um governo usa subterfúgios para ocultar o verdadeiro estado das finanças públicas, a transparência fiscal é comprometida, levando os mercados a questionarem a veracidade dos números divulgados.

Em economias globalizadas, onde os países dependem de investimentos internacionais para financiar dívidas e projetos, a confiança dos investidores é um ativo essencial.

Se houver a percepção de que um governo está manipulando dados para esconder déficits ou dívidas, os investidores podem exigir prêmios de risco mais elevados. Isso se traduz em taxas de juros mais altas para a emissão de títulos públicos, o que aumenta o custo do financiamento da dívida.

Em cenários extremos, a desconfiança pode levar ao colapso do financiamento. A perda de credibilidade é um efeito que pode durar anos, mesmo após as práticas de contabilidade criativa terem sido interrompidas.

Deterioração da saúde fiscal de longo prazo

A contabilidade criativa oferece uma solução temporária para os problemas fiscais, mas seus efeitos acumulados geralmente resultam em uma deterioração da saúde fiscal de longo prazo. Isso ocorre porque a prática de ocultar dívidas ou adiar despesas não elimina esses compromissos, apenas os empurra para o futuro.

Quando essas obrigações finalmente emergem, o governo se depara com um cenário de alto endividamento e maior pressão sobre o orçamento público.

Esse ciclo vicioso tende a reduzir a flexibilidade do governo para realizar políticas fiscais anticíclicas, ou seja, ações necessárias para estimular a economia em tempos de recessão. Com o aumento da dívida e dos juros decorrentes da desconfiança, as opções para ajustes se tornam mais limitadas, forçando a adoção de medidas impopulares, como aumento de impostos ou cortes severos em investimentos e programas sociais, como o Bolsa Família.

Efeito na política econômica e social

A contabilidade criativa pode prejudicar diretamente a formulação de políticas públicas. Quando o governo usa artifícios contábeis para mascarar o déficit fiscal, ele cria uma ilusão de espaço fiscal que não existe de fato. Isso pode levar à tomada de decisões econômicas equivocadas, como a realização de novos investimentos ou a manutenção de subsídios que, em um contexto de transparência fiscal, seriam insustentáveis.

A longo prazo, quando as manobras contábeis deixam de ser eficazes, o governo pode se ver obrigado a realizar cortes bruscos em gastos públicos essenciais, como saúde, educação e infraestrutura, para equilibrar as contas. Esses cortes têm um impacto direto sobre o bem-estar da população, especialmente das camadas mais vulneráveis, que dependem de serviços públicos.

Aumento da instabilidade política

A contabilidade criativa no setor público também pode desencadear crises políticas. Quando os dados reais das finanças públicas vêm à tona — muitas vezes após mudanças de governo ou auditorias externas — a administração atual, ou anterior, pode ser acusada de má gestão ou até mesmo de fraude.

Esse tipo de situação pode gerar um desgaste político significativo, resultando em processos de impeachment, investigações parlamentares ou perda de apoio popular.

Além disso, quando a contabilidade criativa é exposta, o governo pode se ver forçado a implementar medidas de austeridade abruptas, o que gera descontentamento social e manifestações.

Redução de investimentos e crescimento econômico

Um dos efeitos mais prejudiciais da contabilidade criativa no setor público é a redução de investimentos no país. Com a percepção de risco aumentando, tanto investidores nacionais quanto estrangeiros ficam receosos de aportar capital em um país onde as finanças públicas são incertas. Com isso, o fluxo de investimentos diretos estrangeiros tende a cair, o que impacta diretamente no crescimento econômico.

Sem investimentos, setores estratégicos como infraestrutura, tecnologia e energia ficam desatualizados ou subdesenvolvidos, prejudicando o crescimento a médio e longo prazo. Além disso, a falta de confiança nos números fiscais pode levar as agências de classificação de risco a rebaixarem a nota de crédito do país, o que torna ainda mais caro o financiamento externo.

Exemplos recentes de contabilidade parafiscal discutida no governo

Nos últimos anos, foram ventilados na mídia diversos episódios de contabilidade parafiscal no Brasil. 

Um caso recente, no governo Lula, foi a contabilização de aproximadamente R$ 8 bilhões "esquecidos" no sistema financeiro como parte do cálculo das metas fiscais, mesmo sem garantias de que essas receitas seriam realizadas.Além disso, manobras envolvendo empresas estatais, como o uso de bancos públicos para mascarar o crescimento da dívida, também foram amplamente discutidas.

Outro caso foi o uso de fundos de pensão estatais para financiar obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), que, posteriormente, geraram prejuízos bilionários, cobertos pelo Tesouro Nacional.

Essas práticas mostram como a contabilidade criativa é utilizada para maquiar os números do governo e buscar cumprimento da meta com diferentes contabilizações de receitas e despesas, com consequências negativas para a transparência fiscal e a confiança no mercado.