Brasil registra maior saída de dólares pela via financeira desde 1982
Entre janeiro e outubro de 2024, o Brasil registrou a maior saída de dólares pela via financeira desde o início da série histórica em 1982. Segundo dados divulgados pelo Banco Central, o saldo líquido negativo foi de US$ 56,2 bilhões no período, superando o recorde anterior registrado em 2020, no auge da pandemia, quando o saldo foi de US$ 55,36 bilhões.
Esse fluxo financeiro negativo é explicado principalmente pela redução no ingresso de capitais estrangeiros e pelo aumento nas remessas de lucros e dividendos ao exterior, além de outros fatores relacionados à balança comercial e aos investimentos no mercado financeiro global.
O que é a saída de dólares pela via financeira?
A saída de dólares pela via financeira ocorre quando há um desequilíbrio entre as entradas e saídas de recursos no mercado de capitais, envolvendo:
- Investimentos estrangeiros diretos: como compra de ações, renda fixa e outros ativos financeiros.
- Remessas de lucros e dividendos: empresas multinacionais enviam recursos para suas matrizes no exterior.
- Pagamentos de empréstimos externos e outros fluxos financeiros.
O saldo negativo reflete uma maior retirada de recursos por investidores estrangeiros, que buscam mercados mais seguros ou rentáveis, e pelo aumento de envio sazonal de lucros, típico no último trimestre de cada ano.
Por que o fluxo de dólares no Brasil está negativo?
Vários fatores explicam o cenário atual de maior saída de dólares do Brasil:
Redução de ingressos de capitais estrangeiros
Houve uma queda expressiva no volume de recursos vindos do exterior. Entre janeiro e outubro de 2023, o ingresso líquido de capitais foi de US$ 54,8 bilhões, mas, no mesmo período de 2024, caiu para US$ 31 bilhões. A redução está associada a:
- Desaceleração dos investimentos estrangeiros diretos (IED): investidores externos estão retirando recursos de ações e títulos no Brasil.
- Concorrência de outros mercados: como o mercado norte-americano, que se beneficia da valorização de setores como inteligência artificial e tecnologia.
Remessas sazonais de lucros ao exterior
Empresas estrangeiras intensificam o envio de lucros e dividendos para suas matrizes no exterior no final do ano, especialmente em dezembro. Historicamente, esse movimento agrava o fluxo financeiro negativo.
Aumento no gasto com serviços no exterior
Os gastos dos brasileiros em serviços como turismo, streaming, e apostas esportivas têm crescido. Apenas as chamadas “bets” movimentaram R$ 3 bilhões via Pix em 2024, refletindo na saída de dólares da economia.
Crescimento nas importações
Apesar de as exportações brasileiras estarem em patamares elevados, alcançando US$ 286,9 bilhões até outubro, as importações cresceram mais, reduzindo o superávit da balança comercial.
Impactos do saldo negativo na economia brasileira
O saldo negativo no fluxo financeiro pode trazer consequências importantes para a economia brasileira:
- Pressão sobre o câmbio: embora o superávit comercial tenha equilibrado parcialmente a balança cambial, a saída elevada de dólares pode pressionar a desvalorização do real.
- Aumento da dependência de capitais de curto prazo: para equilibrar os fluxos, o Brasil se torna mais dependente de investimentos voláteis, como renda fixa, o que eleva os riscos econômicos.
- Revisão do déficit em transações correntes: o déficit subiu de US$ 21,7 bilhões (1% do PIB) para US$ 24,5 bilhões (1,13% do PIB), devido à piora na conta de renda primária.
Comparação histórica: o que torna 2024 tão desafiador?
O desempenho de 2024 já supera os recordes negativos registrados em anos críticos como 2019 e 2020. Veja os principais marcos históricos de saída de dólares:
- 2019: US$ 65,8 bilhões em saídas pela via financeira, reflexo de instabilidades externas.
- 2020: US$ 55,36 bilhões, impulsionados pela crise da Covid-19.
- 2024: projeção de recorde histórico, superando 2019.
Perspectivas para o final de 2024 e 2025
Especialistas apontam que o Brasil pode fechar 2024 com a maior saída de dólares da história. Com um aumento esperado nas remessas de recursos em dezembro, a projeção é de que o fluxo financeiro negativo ultrapasse os US$ 65,8 bilhões de 2019.
Para 2025, a recuperação dependerá de fatores como:
- Atração de investimentos estrangeiros: maior estabilidade política e econômica será necessária para reverter a fuga de capitais.
- Redução de déficits nas contas externas: estratégias para fortalecer a balança comercial e conter gastos com serviços no exterior são essenciais.
- Controle sobre fluxos voláteis: maior regulação dos investimentos especulativos e apostas pode ajudar a estabilizar o câmbio.