O mercado brasileiro de apostas esportivas está em franca expansão e já soma valor equivalente a 1% do Produto Interno Bruto. A estimativa consta de um relatório da XP Investimentos.

O estudo chama atenção para o fato de que os beneficiários do Bolsa Família gastaram R$ 3 bilhões em bets via Pix no mês de agosto, segundo uma análise técnica feita pelo Banco Central. O montante corresponde a quase R$ 40 bilhões por ano.

Beneficiários do Bolsa Família gastam R$ 3 bi em apostas

Dos 20 milhões de beneficiários do Bolsa Família, 5 milhões fizeram apostas no mês passado. Na mediana, o valor gasto por pessoa foi de R$ 100 — o valor base do programa social em 2024 é R$ 600.

Os dados consideram apenas os recursos pagos pelos apostadores via Pix, ou seja, o valor destinado às apostas pode ser ainda maior levando em conta o que o Banco Central não conseguiu identificar.

Estamos falando do maior programa de transferência de renda do Brasil. Do seu bolso para o governo (via impostos), do governo para o Bolsa Família, do Bolsa Família para as bets.

Aposta esportiva não é investimento

As apostas esportivas, como Blaze, Betfair e Jogo do Tigrinho, muitas vezes surgem como uma promessa de ganhos rápidos, mas é importante lembrar que elas não podem ser vistas como alternativas de investimento.

Do ponto de vista financeiro, apostar em jogos é muito mais uma questão de sorte do que uma estratégia calculada. Ao contrário dos investimentos, onde há uma análise cuidadosa de risco e retorno, as apostas se limitam a um entretenimento, um jogo de azar, sem qualquer garantia de retorno.

Sendo assim, apostar em jogos não se caracteriza como um investimento tradicional. No máximo, um entretenimento onde há uma tentativa imediata de ganhar, com base em palpites e eventos incertos.

Existem “bets” na Bolsa de Valores?

O termo no inglês informal americano é “bet”, que significa “aposta”. Ao contrário da tradução, o mercado de capitais não é um jogo de apostas. No entanto, ao observarmos o histórico, notamos que algumas empresas listadas na Bolsa de Valores brasileira, a B3, destruíram o patrimônio dos investidores tanto quanto as bets.

PosiçãoEmpresaDívida
1Lojas AmericanasR$ 50,8 bilhões
2OiR$ 50,6 bilhões
3GolR$ 28 bilhões
4LightR$ 16,7 bilhões
5Agrogalaxy R$ 4,67 bilhões

Fonte: RI das empresas

Reiteramos que não temos recomendação de compra para as empresas mencionadas acima. Os dados disponibilizados são de caráter meramente informativo e têm como objetivo exemplificar conceitos mais complexos do mercado de capitais.

Lojas Americanas (AMER3)

O caso Americanas dispensa comentários, mas do ponto de vista de alavancagem, é a que mais apresenta problemas. A varejista chegou a apresentar uma dívida de R$ 50,8 bilhões ao longo do processo de reestruturação e fraude encontradas.

Com os resultados reapresentados, no primeiro semestre de 2024 (6M24), a empresa registrou outras receitas operacionais líquidas de R$ 1,2 bilhão, principalmente devido à adesão de credores fornecedores às opções de pagamento oferecidas no contexto do PRJ. 

Em muitos casos, isso inclui um desconto (haircut) no valor original da dívida, totalizando R$ 805 milhões. A maioria dos credores recebeu o valor integral dos seus créditos à vista, enquanto o restante receberá de forma parcelada entre 2024 e 2029.

As ações da companhia caem -97,54% no ano.

Oi (OIBR3)

Em 2016, a Oi, uma das maiores operadoras de telecomunicações do Brasil, entrou com o maior pedido de recuperação judicial da história do país, devido a um endividamento superior a R$ 65 bilhões.

Em 2020, a Oi conseguiu aprovar um aditivo ao plano de recuperação que permitiu uma reestruturação mais profunda, incluindo a venda de unidades estratégicas e o pagamento de dívidas. A empresa conseguiu reduzir significativamente seu passivo e continua em operação, agora focada em fibra ótica e outros serviços.

No momento atual, a companhia está na sua segunda recuperação judicial desde março de 2023. Refletindo essa reestruturação das dívidas, com os novos termos e condições aprovados no Plano de Recuperação Judicial, a dívida bruta da Oi encerrou o 2T24 em R$ 8,6 bilhões, recuo de -64% na comparação anual.

No ano, as ações de OIBR3 caem -14,26%.

Gol (GOLL4)

A Gol entrou com o pedido Chapter 11 nos Estados Unidos em janeiro de 2024, processo equivalente a uma recuperação judicial (RJ) no Brasil, com uma dívida superior a R$ 20 bilhões, sendo R$ 3 bilhões com vencimentos em até 12 meses, e uma alavancagem de 5,5x Ebitda na época.

Mesmo com um processo mais acelerado na reestruturação do que teria caso tivesse pedido RJ no Brasil, a companhia finalizou o 2T24 com 5,1x dívida líquida/Ebitda, patamares muito altos mesmo com custos e despesas operacionais contidos diante da queda nos preços de combustíveis de aviação, seu maior custo.

Desde o início do ano, as ações da companhia caem -87,07%.

Light (LIGT3)

Nos últimos anos, a Light tem sofrido com a escalada da taxa de juros, o aumento da inadimplência e com altos índices de furtos de energia no estado do Rio de Janeiro. No Rio em específico, a companhia possui uma perda muito superior do que na média de outros estados, como São Paulo, Paraná e Minas. 

Esse problema [perdas de energia] está relacionado a questões sociais e que terminam por tirar muita rentabilidade da empresa. Além dos prejuízos financeiros com os furtos, a receita da companhia foi impactada com a devolução de créditos fiscais pela cobrança de PIS/COFINS.

Isso, somado aos juros altos atuais e ao mercado de crédito bem restrito, são fatores que contribuem para a situação difícil da distribuidora.

Na época do pedido de recuperação judicial, o valor da dívida da holding que controla a concessionária Light era de R$ 11 bilhões. Para efeito de comparação, o valor de mercado da Light era de R$ 1,73 bilhão.

No ano, as ações de LIGT3 caem -4,20%.

AgroGalaxy (AGXY3)

Um dos casos mais recentes e polêmicos do mercado, a Agrogalaxy entrou com um pedido de recuperação judicial em 18 de setembro de 2024. A empresa apontou um passivo total no valor de R$ 4,67 bilhões.

Mas a situação da companhia é diferente das demais acima, já que a situação crítica da Agrogalaxy acende um alerta para os investidores de fiagros. Isso se deve ao fato de que, nos CRAs, há alguns credores relevantes, como os Fiagros da Capitânia, JGP e XP Asset. 

Esse não é o primeiro grande pedido de recuperação judicial no agronegócio em 2024 e essa situação pode gerar impactos relevantes para os fundos de CRAs como Capitânia, JGP e XP Asset.

No CPTR11, da Capitânia, a exposição à Agrogalaxy é de 7% do PL. No XPCA11, da XP, a exposição é ainda maior, de 8,2%. Já o JGPX11 tem 8% de seu PL em CRAs da companhia.

Diante da inadimplência da Agrogalaxy, alguns fiagros já divulgaram ao mercado as medidas a serem adotadas para mitigar os impactos para os investidores.

Agrogalaxy cai -83,84% no ano.

Como evitar cair nas “bets da Bolsa”?

Uma avaliação diligente dos resultados trimestrais das companhias é essencial para uma carteira de investimento saudável. Algumas dicas valiosas envolvem:

  • Desempenho financeiro fraco: se a empresa constantemente apresenta prejuízos ou queda na receita e no lucro, isso pode ser um sinal de que a empresa está em declínio. Além disso, é importante observar se os níveis de endividamento seguem saudáveis ou se vão para patamares acima do adequado (acima de 3x dívida líquida/Ebitda pode ser um alerta inicial).
  • Gestão ineficiente: mudanças frequentes na diretoria ou escândalos de gestão indicam que a empresa pode estar mal gerenciada.
  • Setor em declínio: algumas empresas operam em setores que estão sendo substituídos por novas tecnologias ou sofrem com mudanças nas regulamentações. Avaliar o setor é tão importante quanto analisar a empresa.

Como sair de um investimento ruim?

  • Aceitar as perdas: reconheça que nem todos os investimentos serão lucrativos. Às vezes, é melhor aceitar uma perda menor do que ver o prejuízo aumentar com o tempo.
  • Rebalancear sua carteira: vender ações problemáticas e investir em ativos mais promissores é uma forma de minimizar riscos.
  • Focar no longo prazo: invista em empresas sólidas, com bons fundamentos e histórico de crescimento consistente. Ações que dão prejuízo frequentemente não têm essas características, além de serem muito endividadas.
  • Revisar periodicamente seus investimentos: acompanhar o desempenho de suas ações ajuda a identificar problemas cedo. Se uma empresa começar a mostrar sinais de fraqueza, pode ser hora de vender.

Regulamentação das bets

No dia 1º de janeiro de 2025, começam a valer as regras que obrigam as operadoras de apostas esportivas a terem licenças no país a pagarem Imposto de Renda. A maior parte das regras já está em vigor, mas a parte relativa à tributação sobre as apostas começa a valer em abril. 

A regulamentação também fixa limites para a publicidade dos jogos, cria medidas de proteção aos consumidores e estabelece políticas para prevenção e tratamento dos jogadores compulsivos.

A questão das apostas, porém, não é apenas tributária. Essa questão perpassa por camadas morais e sociais, dos mais pobres aos mais ricos.