AMER3: RJ ou Mega-Sena acumulada?
AMER3 -98%
Lojas Americanas (AMER3) é uma varejista brasileira que surfou muito bem a onda de compras online na pandemia.
No entanto, com o fim da pandemia, as pessoas voltando a comprar na rua, os juros subindo forte e a economia desacelerando, AMER sofreu grandes perdas junto ao restante do varejo.
Recentemente, a companhia se envolveu em uma reestruturação societária ruidosa (incorporação da B2W, BTOW3) e teve que voltar atrás em seus planos, mas vamos deixar essa história para depois.
No dia 11 de janeiro, o novo CEO da companhia, Sergio Rial (que havia assumido fazia 9 dias), anunciou que o balanço da companhia não considerava dívidas bancárias no valor de R$ 20 bilhões.
Os erros contábeis aconteceram por mais de 7 anos. O novo CEO e o novo diretor financeiro renunciam com efeito imediato.
As ações, que já haviam caído -90% desde as máximas, caem mais -77% em 1 dia.
O furo no balanço
O anúncio espalha perdas nas ações, em fundos de renda fixa que possuíam debêntures de AMER, e coloca o grupo 3G, controladores da companhia e empresários mais ricos do Brasil nos holofotes.
Outras controladas do grupo (a ALL aqui no Brasil e a Heinz no exterior) já haviam se envolvido em problemas inflando resultados em seus balanços.
Basicamente, a AMER não contabilizou pagamentos que os bancos faziam a seus fornecedores (risco sacado) nem contabilizou os juros pagos nesses empréstimos.
Dessa forma, sua dívida é R$ 20 bilhões maior do que consta no balanço (o dobro), e de seus lucros passados (e patrimônio líquido) deverão ser deduzidos os juros (lucros menores).
Os auditores, CVM, fiscalizadores e reguladores, como sempre, foram pegos dormindo em serviço.
Os bancos credores
Os empréstimos para a Americanas estão nos balanços de todos os bancos brasileiros que exigem do grupo controlador responsabilidade e injeção de, pelo menos, R$ 10 bilhões na varejista.
De qualquer modo, a empresa conseguiu uma liminar de 30 dias para planejar uma recuperação judicial (RJ) e se proteger dos pedidos de confisco de ativos pelos bancos.
Os bancos ficaram loucos e o BTG (BPAC11) entrou na Justiça com uma carta extremamente dura em cima do risco de imagem do grupo controlador 3G.
Afinal, o grupo 3G tem ativos de R$ 180 bilhões e uma enorme reputação (bastante manchada) a zelar.
Vale a pena comprar AMER3?
Entendida a história, vamos ao que interessa: AMER3 é oportunidade?
Hoje, vejo 4 cenários bastante prováveis para a companhia:
- Salva pelos controladores (3G)
- Vendida para competidor
- Recuperação Judicial (RJ)
- Falência
Vamos fazer algumas contas de padaria e tentar avaliar cada um desses cenários, começando pelo fim.
4. Falência
Acho improvável que a empresa simplesmente pare de operar.
É um risco reputacional enorme para os multibilionários do 3G, que serão processados de todas as formas, por todos os bancos, e possuem muitos outros negócios para zelar.
Contudo, sem injeção de capital pelos controladores e sem uma rolagem das dívidas pelos bancos, a Americanas simplesmente não teria dinheiro para continuar operando.
Se Lojas Americanas não conseguir pedir recuperação judicial, ela simplesmente fecharia as portas.
Nesse caso, as ações não valem nada (AMER3 vale zero).
3. Recuperação Judicial
É provável uma RJ de Americanas.
AMER pode pedir ao juiz que proteja a companhia e seus funcionários dos bancos (uma RJ). A companhia teria que submeter ao juiz um plano de arrumação e poderia negociar a redução de suas dívidas para um patamar que conseguisse pagar.
Esse processo demoraria anos e as negociações entre acionistas e credores seriam tensas, mas AMER nunca pararia de operar. Ao final, normalmente, os credores ficam com um pedaço das ações da empresa e os acionistas são diluídos.
Acho menos provável esse cenário, pois os bancos foram enganados por números contábeis fictícios e exigem que os controladores injetem R$ 10 bilhões em AMER (o grupo 3G está disposto a injetar R$ 6 bi).
Sem mais dinheiro, os bancos judicializariam tudo o que podem, processando a empresa, o grupo 3G, os funcionários na física, auditores…
Se AMER3 entra em RJ, teríamos que entender qual seria a diluição dos acionistas no processo para entender o valor das ações de AMER3.
Em RJ, AMER3 teria um valor reduzido, apenas centavos, bem abaixo do valor atual, mas ainda teria algum valor.
2. Vendida para competidor
Vejo uma probabilidade alta de absorção da empresa. O grande problema do varejo no Brasil é a competição: muitas empresas disputam poucos consumidores.
A absorção de AMER por um competidor poderia resolver diversos problemas de uma só vez. Os bancos podem reaver seu dinheiro, o grupo controlador se vê sem um problema e as varejistas, com menos competição, podem lucrar mais.
O problema é a dívida de quase R$ 40 bilhões – Magalu (MGLU3) tem dívida líquida de R$ 9 bi, Via (VIIA3) R$ 12 bi, Mercado Livre (MELI34) de R$ 10 bi.
A gigante Amazon teria balanço de sobra para comprar a Americanas, entretanto, mais um competidor entrando forte não teria o efeito positivo de reduzir a competição.
Imagino que, para ser vendida para um competidor, ou mesmo desmembrada e vendida, AMER precisaria de uma injeção de capital pelo 3G e mais uma "ajudinha" dos bancos.
E, dado o tamanho da dívida, provavelmente, as ações de AMER3 seriam absorvidas a um valor simbólico – abaixo dos 1,94 que negociam atualmente.
1. Salva pelos controladores (3G)
Dado o risco de imagem dos multibilionários após os problemas no balanço, imagino que essa seja a saída mais provável para AMER3.
Vamos fazer algumas contas de padaria. Hoje, com Ebitda de 3 bi (considerando que esteja correto), AMER conseguiria carregar 10 bi de dívidas (ex dívida líquida/Ebitda) de forma "saudável" em seu balanço (hoje a dívida líquida/Ebitda é alta em 5x).
Todavia, a dívida da varejista é de R$ 40 bi (R$ 20 bi no balanço e R$ 20 bi "fora"). O grupo 3G injetaria R$ 10 bi na empresa, mas é improvável conseguirem emitir mais 10 bi em ações – a empresa toda vale hoje R$ 2 bi na bolsa.
Os juros sobre a dívida "não contabilizada" de R$ 20 bi deveriam custar R$ 3 bi ao ano (com custo de 15% – que é baixo demais). Ou seja, a totalidade de seu Ebitda.
O maior lucro histórico de AMER foi de R$ 500 milhões, R$ 650 milhões antes dos impostos (30%). Mesmo com uma injeção de 10 bi pelo 3G, a dívida que sobra de 10bi fora do balanço custaria muito mais de 1,5 bi por ano em juros (15%).
Quer dizer, com 10 bi a mais em dívidas, AMER3 nunca teria dado lucro.
Quanto vale uma empresa problemática, que precisa de injeção de R$ 10 bi, está em renegociação com os bancos e nunca deu lucro em um setor com competição acirrada?
10 bi injetados e vendida
O problema de AMER3 é grande. Mesmo com a injeção de 10 bilhões de reais pelo 3G, a empresa ainda teria muita dificuldade em se manter "em pé".
Além disso, o Brasil está em um ambiente de juros altíssimos e economia desacelerando.
Com todas essas dificuldades, imagino que o grupo 3G injetará dinheiro na companhia e negociará com os bancos para vender as Lojas Americanas a algum competidor.
Claro, o comprador estará levando uma obrigação de dívida elevada demais, o valor das ações deverá ser bem reduzido. Simbólico.
Hoje, com as poucas informações que temos, negociada a R$ 1,94, AMER3 não parece uma enorme oportunidade.
Claro, muita água ainda vai passar embaixo dessa ponte. Um céu azul pode se abrir em meio à tempestade de AMER3.
Será interessantíssimo. Acompanhe conosco por aqui.